Ontem vi duas mulheres lendo, num jardim com esplanadas.
A princípio desconfiei mas dei o benefício de perceber antes de
lançar um anátema, que é pior que um perjúrio.
Aparte a parte toda nas cadeiras das esplanadas e os bancos residentes
dos jardins, as outras mulheres e os outros homens que preenchiam os lugares, sentados os
seus corpos neles, não liam e nem sequer falavam.
Faziam o que normalmente fazem todas as pessoas de bem: organizavam a sua vida, os contactos e o lazer, com auxiliados pelos seus telefones portáteis.
Enquanto isto acontecia - o que não era nada de anormal porque só
eu notei essa actividade subversiva de duas mulheres a lerem um livro em plena
luz do dia - dos passantes e por sexo, os homens iam mais apressados do que as mulheres com os semblantes densos, talvez a dizeren preocupação ou responsabilidade.
Podiam ser médicos ou padres, ou somente financeiros. Passavam também homens musculados com roupa justa a quererem parecer ainda mais musculados e esses não pareciam nem médicos nem padres, mas continuam a poder ser financeiros.
Podiam ser médicos ou padres, ou somente financeiros. Passavam também homens musculados com roupa justa a quererem parecer ainda mais musculados e esses não pareciam nem médicos nem padres, mas continuam a poder ser financeiros.
Já não há padres.
As insuspeitas, uma com estilo de hippie a outra indefinida, liam dois livros e isso garante-se, que só por muita casualidade é que seriam os mesmos. Á
distância é impossível apurar quem lê boa literatura.
Fosse eu mulher - das que leem – e nesta sua coisa de incompreensível
para os homens de se esgadanharem em privado e protegerem o género em público, tranquilizaria sabendo que as duas estão a ler coisa merecedora de ser lida num jardim, ainda
mais com tempo agradável.
Demonstrarem esse gosto, num espaço público é coragem, vale-lhes a
pena esse acto temerário, que poucos outros cometem por falsos pudores, e reputações a
defender.
Mesmo não sendo mulher, o observador que sou eu fico de bem com a consciência, com a
sensação talvez incongruente de que o mundo afinal teria salvação (romantismo meu), mas é muito
provável que este palpite já tenha sido emitido por outros em gerações
passadas, sentados em bancos de jardim pingando o tempo em demasia de se gastar,
todos os dias a inventarem maneiras de o fazer.
Morreram todos e mesmo depois desse acontecimento terrível
para as suas famílias, continuam a existir jardins com enfadonhos como eu, e pessoas
poucas que leem procurando sol, ou encontrando sombras. A maioria dos que estão e passam estão longe de dar conta deste tema, são seres completamente
normais e saudáveis que não têm questões a colocar sobre quem lê ou não.
O pior mesmo é a bateria do telemóvel, já viciou, está sempre a ir abaixo, é por causa dos dados móveis.
Amanhã vou ver se elas persistem em ler no jardim! e nem vou comentar a sua atitude . Só eu reparo nessas coisas, é normal, sou estranho de pequeno.
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