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Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2021

DERVIXES RODOPIANTES

  Que nome dar a uma espécie de chapéu cónico, possivelmente em feltro, sangue de boi. Faz um efeito pouco comum mesmo que misturado anónimo, na multidão apressada num qualquer dia, numa qualquer rua central de uma cidade. Não só pelo que sobressai desse barrete hirto, que se vê uns bons centímetros acima do nível mais ou menos consistente das cabeças dos transeuntes, mas também por fazer um efeito incongruente, deslocado do sitio certo, sitio esse que se desconhece a morada. Em si, são dois chapéus, lado a lado e vão numa das direcções possíveis da rua, para baixo ou para cima, neste caso para baixo, rumo ao centro. Entram num edifício com uma fachada banal. No interior, pode ser tudo: escritórios, habitações, uma escola profissional, uma agremiação, um local de culto, sóbrio, sem pretensões de massas. Os dois homens que vestem os chapéus cónicos, estão de costas e dão a sensação de serem ainda jovens, pela forma como andam. Entram por uma porta não identificada. A porta preta, mate,

A ALDEIA DAS CASAS BRANCAS

  É uma casa em nada diferente das outras, poucas. Caiada a branco, as janelas e a porta com molduras amarelas. No espaço da porta, que em princípio é de madeira, está posta uma cortina de tiras de plástico de cores esbatidas. Protege dos insectos, também eles indolentes, subjugados pela intensidade do sol. Dentro, a sala, semi-escura, de paredes deslavadas, com a sujidade acumulada do tempo e das histórias a que assistiu ou não. Existe um balcão corrido a toda a largura da sala, em madeira, escurecida como a falta de luz suficiente que evita este espaço. Duas ou três mesas e cadeiras em fórmica. Atrás do balcão no que se pode chamar uma prateleira, copos para servir vinho e outros, pequenos, sinos, de bagaço. Uma máquina de café, uma peça histórica, já não funciona com certeza. Ainda atras do balcão, só visível a quem esteja encostado a este, uma pequena mesa forrada com uma toalha de plástico com flores, um candeeiro com fios de uma teia de aranha, um caderno com linhas, vazio, um l

QUANDO EU LIA PARA BORGES

  Ofereci a minha voz à sua cegueira. Laboriosamente, não contei os dias, li trechos, livros inteiros, da sua biblioteca pessoal. Todos os dias à mesma hora, não perdoava atrasos apesar de o dar a entender de uma forma muito britânica, a chegar a irritante, nesse polimento que se percebe tão bem que por trás, está um momento fervente de raiva, nos bastidores de uma figura impávida, a fazer-se desprendida nesse hábito por vezes tão exasperante de os britânicos se fazerem educados para os outros. Era o número seis, habitado por três humanos, um gato, e todo o universo compactado numa casa a meia luz, que dava a sensação de ter estado sempre ali, desde o princípio dos tempos, dando vida e morte e continuidade aquela família. Dona Leonor, mulher velhíssima a atingir os cem anos, a empregada igualmente velhíssima de toda a vida, uma gata branca ou preta, não cheguei a saber, e ele, impávido, com o seu fato de bom corte, escuro, risca de giz, sentado num sofá puído, o seu sofá, as mãos apo