Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de setembro, 2022

UMA UTOPIA DO DIREITO AO DELÍRIO*

Que tal se arriscamos delirar um pouco? Que tal se cravamos os nossos olhos para além da infâmia, tentando adivinhar outro mundo que seja possível e fascinante? O ar, limpo, puro de todo o veneno que não provenha dos medos humanos e das tóxicas paixões humanas. Nas ruas, os automóveis serão abalroados pelos cães e outros seres livres que nelas se passeiem; As pessoas não serão sequestradas pelo automóvel, nem serão programadas pelo computador, nem serão compradas pelo supermercado, nem tão pouco vistas pelo televisor, impávidas, hipnotizadas de tédio; O televisor deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como a tábua de passar a ferro ou a máquina de lavar a roupa; Acrescentar-se-á aos códigos penais o delito da estupidez, que cometem aqueles que vivem para ter ou para ganhar, em vez de simplesmente viverem, sem mais, como canta o pássaro sem saber que o faz e como a brinca a criança sem saber que brinca, vivendo a eternidade nesse momento único, que

PESSOA E DEMOCRACIA

Toda a história está manchada por crimes tal como toda a vida individual está obscurecida por errores e por faltas. Dir-se-ia que o crime é o pecado original da história humana. Se formos à tradição bíblica começa, já fora do paraíso, com a história de Caim e Abel a primeira guerra civil... E, contudo, a partir desta desdita, pode-se distinguir, segundo o que vamos dizendo, a história manchada por algum crime da história que é crime. Este último é o que acontece neste processo de endeusamento. Como no amor não é constante o facto de que raramente um amor entre duas pessoas não seja obscurecido por alguma falta cometida em comum, alguma cumplicidade; em certos amores que se resolvem num crime que parece que procuraram desde o início, como se tal tivesse sido a sua finalidade, o seu único desígnio. O endeusamento produz necessária e inevitavelmente, crime, porque apenas com esta total transgressão da lei se compensa a exaltação absoluta da pessoa. Apenas o mal pode manter, enquanto

AOS AMORES INCONDICIONAIS

  A tua morte desnecessária e irrelevante para o andar das coisas – podias não ter morrido e ninguém dava por isso, menos eu que dava por te querer continuar a ter – foi o eco sem eco do grande fundo, uma entrada directa em velocidade, a provocar vertigens no abismo do silêncio, a queda fatal num lugar não físico, inominável, mais frio e silencioso que os termómetros mais frios que marcam nas terras longínquas do extremo norte. Nem com o mais excêntrico dos esforços a consigo imaginar.  Eu pensei, e digo-te com a maior das honestidades, que tu nunca morrerias. Sei que é negação e que o devo ultrapassar, mas não encontro explicação para seres chamada tão precocemente. Havia outros, primeiro. O poço sem fundo. Caíste, foste levada, eu sei, todos estamos a caminho. A imersão fatal e definitiva no obsceno nada. A tua morte foi absurda, escusada, podia ser mais tarde, o pouco suficiente para nos usufruirmos um pouco mais, nunca seria tempo suficiente, mas ainda assim, a nossa ligação única

Adeus, bye-bye.

Um nome só ganha vida se contar uma história. Seja nome de pessoa, seja nome de um lugar. As histórias das pessoas revelam-se no quotidiano partilhado; as dos sítios, contadas pelas gentes que os habitam e calcorreadas por nós. E sendo assim, ganha-se intimidade, e é esse o conhecimento de todas as coisas animadas e inanimadas. Expulsei-me por vontade, mas não por liberdade, da grande cidade, que chamava minha. Intoxicado pelo caos instalado, o desnorte, e uma horda cada vez mais avassaladora de turistas bárbaros, agarrados e dependentes ao grande circo da especulação e do lucro do consumo de tudo e o mais rápido que puderem, devorando o tempo. Chegam mais rápido à morte, mas pensam que não: pensam que viveram mais. Saí. Bati com a porta. Virei costas e exprimi o melhor que pude, desfraldando-lhes nas fronhas, o dedo do meio. É verdade, o mais erecto e esticado que consegui. Não sou de asneiras, mas disse-as. Esgotei-as todas, para onde vou não vou precisar delas. Adeus até mais