Eram berlindes e guelas, os primeiros mais pequenos, os outros,
mais vistosos, abafavam os berlindes. Eram de vidro cheios de cor, muitas, com
padrões que davam ao girar a sensação de movimento encantatório.
Compravam-se
nas papelarias de bairro, pequenas superfícies habitualmente familiares que
vendiam de tudo de uma forma absolutamente eficaz e personalizada. Estabelecimentos,
não superfícies, designações de um presente deselegante, um nome que soa
estranho e é frio.
Os proprietários e os empregados sabiam os nossos nomes.
Podíamos levar e pagar depois, numa contabilidade honesta que se fazia no livro
dos devedores, preenchido a lápis de carvão. Este calhamaço era uma história do
negócio, onde se desfiavam listas de nomes e produtos e datas. Raramente era
usado para lembrar os atrasos: ninguém queria estragar relações de boa
vizinhança, num tempo em que a honra e a honestidade eram valores não
transacionáveis.
Uns buracos no chão com uma distância entre si, medida em palmos
de mãos de gaiatos, o jogo do berlinde. Acertar nas covas e seguir em frente,
afastar os berlindes inimigos e guelas oponentes. Jogava-se de cócoras.
Como em quase tudo era um exercício de poder em que vencia o
mais habilidoso, o mais treinado, o mais concentrado.
Era a admiração, quase reverência com que os miúdos brindavam os
vencedores. Havia-os bons e sofríveis, jogadores, e observadores que não tinham
sequer assento nos campeonatos, ou por serem demasiado jovens, ou por serem uns
nabos, o que também mimetiza o mundo.
Esta distração competia em popularidade com as corridas de
caricas nos bordos dos passeios, os jogos de futebol de caricas com as caras
dos jogadores da época e as corridas de carrinhos miniatura, lubrificados com
umas gotitas de azeite para deslizaram melhor sobre o calcário.
Estas brincadeiras eram de paciência e baixo consumo de energia.
As de alto-rendimento eram a bola, os carrinhos de esferas, as bicicletas. Representavam-se
todas na rua, o grande espaço sem limites, a ausência de fronteira, a liberdade.
As meninas jogavam outros jogos com mais poesia e delicadeza. Os
rapazes mesmo que muito concentrados e entretidos já gostavam delas, mas não
sabiam como fazer. Nada havia ainda a fazer, senão olhar de raspão e imaginar, deixar
correr os sonhos e fazer encenações mentais de beijos fugidios.
Era assim.
Comentários
Enviar um comentário