Estende-se a palavra na folha de papel, e salpica-nos em novidades. Todos os dias sinto esse espanto, emoção primordial da união das palavras, que sem se saber como nem porquê, redesenham significados que nem sequer desconfiava, harmonias criativas, num concentrado de emoção. É isso a arte, ao qual sou alheio como criador. O meu trabalho, menor, é estendê-las a seu gosto na folha em branco, e nesse esforço, que por vezes não é pouco, elas encontram os seus enamoramentos, os seus casamentos, construindo de um caos aparente, um edifício poético, revestindo de lantejoulas e brocados a sua nudez inicial. Quando isto acontece, recosto-me no cadeirão de molas chiantes, envolvendo-me como o faz uma planta carnívora quando encerra sobre a presa as suas pétalas, eu no tal cadeirão, tão confortável como usado, e fico-me a admirá-las, realizado e cheio. Depois, fecho o caderno e não incomodo a sua intimidade – serei sempre um estrangeiro no meio delas - para que no recato do seu sossego, prossi...