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Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2018

DESCUIDADOS DE DEUS- PONTO FINAL

A VIDA SEGUE Não lhe restando alternativa, a vida não se deteve no presente, continuou o seu imparável movimento para o futuro. Tudo acalmou, ao ponto de já ninguém se lembrar que Deus tinha um dia sido julgado num tribunal popular. Deixou de ser notícia, deixou de se a falar de uma coisa que não é fundamental.  Aparte pequenos e esparsos núcleos fechados, os homens foram perdendo a fé. Descomprimiram nas suas obrigações com o divino, ganharam tempo para cuidar de si e dos seus, frutificando uma nova espiritualidade, com raízes na terra, sem necessidade de se revirar os olhos ao céu com perguntas sem resposta, a forçarem a vista, esperando o quê? De ver o quê? e depois voltarem para dentro de casa, desiludidos, trazendo para a sua intimidade mais desconfortos vazios. O céu é bonito e pode-se fazer uma poesia, assim como o mar, uma árvore antiga, um mineral que não seja diamante mas reflicta como um caleidoscópio a luz do sol incidida em si. É nestas coisas que se enc

MANUAL DOS SOLITÁRIOS - CONTO DE NATAL

Enlameado até a décima quinta casa, se não for mais, o pastor e dono do cão farrusco, por lá continua serrania acima, serrania abaixo, pastoreando o seu rebanho de cabras e ovelhas. O farrusco, cada vez mais velho - a vida de cão-pastor obriga a muitas exigências do corpo - no seu papel de cão,  segue fielmente o dono, apesar de guardar cada vez menos seja que propriedade móvel (o rebanho e o patão), seja que imóvel (a casa na aldeia) forem. Deseja que o deixem em paz, um despegamento generalizado nos cães velhos. Ainda assim continua com aquela mania que não lhe sai da cabeça, sendo um mastim, que é um excelente cão de caça. Também já não vale a pena chamá-lo à razão. António o carteiro, aquele que tem uma Famel quase tão velha quanto ele, continua a distribuir cartas, agora raríssimas, desconsiderando-se para a contagem, as dos bancos e as das contas para pagar. António continua a gostar bastante de aguardente, e como em cada paragem nas raras casas ainda habitadas por

O HOMEM E O MAR - VELAS COM UMA CRUZ NO PEITO

** Ainda ontem homens em tudo iguais a Tertuliano, na natureza de serem homens, mas diferentes, por preencherem no seu espaço que se diz ser espírito, o espaço de indivíduos únicos, pensavam coisas talvez idênticas, encostados nas amuradas dos barcos onde navegavam. Barcos primitivos, sem instrumentos de orientação, só os humanos: atenção, observação, intuição, decisão. E quando (a) mar quer, quando se lhe carregam cenhos, ou porque o dia não correu bem, ou por assuntos domésticos, manifesta veementemente o seu carácter num rompante. Nem os homens nem nenhum barco feito por eles ficam a salvo da ira. Nada podem contra as forças obscuras, desconhecidas e por vezes brutais da sua natureza. Depois, quando aveluda, desculpa-se-lhe o mau feitio, apesar de naufrágios inúmeros e catástrofes irreparáveis. Após qualquer tormenta, baixa o manto da ausência de som, arrepia-se a pele numa sensação de plenitude e paz para quem, numa amurada, distrai o olhar sobre essa extensão ago

O HOMEM E O MAR - PENSAMENTOS SÉRIOS

III Não se imaginando o que possa ser, por doença ou acidente, a crueldade de uma cegueira e uma insensibilidade táctil aos elementos da natureza, como se poderia coerentemente explicar o mar, a uma pessoa nestas condições dificeis?   É uma explicação que não se explica. Dizer-se que é explicação, já é um exagero, é mais um convencimento para se andar com a vida para a frente sem remordimentos; uma justificação para si mesmo, rebuscada é certo, tipo: tinha de dar-te uma palavrinha…tínhamos de ter esta conversa . É um pacto educado, mas hipócrita, para não complicar a existência. Ninguém gosta de não ter explicações plausíveis para as coisas.   É nisso que Tertuliano agora pensa, uma vez mais e sendo recorrente, encostado à amurada do navio, vogando sem preocupações, nem tormentas, ele e o seu amigo cachimbo num côncavo, um útero protector, a sua mão esquerda. Para Tertuliano a mão que vale. Tertuliano quando pensa, e nisso não difere de outros homens, pensa olha