Gosto de manhãs de chuva,
o som que ela faz,
gosto que se prolongue tarde dentro.
pacifica-me e molha.
Limpa.
É em dias de chuva
que se vê a fibra dos homens.
Os que se deprimem e queixam,
os que molham as solas dos sapatos
e palmilham.
Para além de tudo isto
a chuva purifica.
Quando deixa de cair,
põe os pássaros a cantar,
as folhas das árvores abanam as suas asas,
que são folhas,
e reanimam a fotossíntese com mais vigor.
Que esteja descrito em anuários ninguém sabe mais disto do
que Manoel de Barros.
Escreveu em poesia uma enciclopédia da natureza.
Conseguiu o feito de viver noventa e sete anos e morrer sem
presunção.
Hoje chove,
Muitissimamente.
Enquanto seco as solas dos sapatos,
releio a sua ciência poética,
com os pés secos em cima da mesa da sala.
Atitude inapropriada mas cómoda.
Faço-o sem culpa e nem sequer vou disfarçar
se alguém entrar.
Faço-o com todo o prazer na companhia do Manoel
e estando distraídos trocando impressões sobre poesia,
mesmo que alguém entre,
nem me vou lembrar que tenho uma batata na zona onde se
vislumbra o dedo grande do pé.
O que interessa uma meia rota quando já se andou tanto à
chuva?
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