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ONDE MORO





Quando flano na minha forma bizarra de caminhar: um balancear de corpo que pode parecer um tudo nada ridículo aos olhos de outros passeantes, olho para as casas que não se escondem atrás dos reposteiros corridos das janelas.

Imagino coisas. Sonho-me possuidor e fico feliz por isso, por dispor de todas as riquezas e misérias que antevejo existirem nessas casas.

Faço fotografias mentais das pessoas que lá vivem, estimulantes umas, outras bocejantes; os objectos acumulados com que ainda contam e os que já abandonaram o olhar deles; os belos ou menos belos quadros pendurados nas paredes, com molduras condignas, ou as que se puderam comprar; a cor das paredes, que dá muitas pistas dos que as escolheram e mandaram pintar; os móveis de vários estilos, ou nenhum; os candeeiros - se bem prefira os de pé com abajour de seda - a luz deve ser amarelada e difusa, e dar espaço a zonas de penumbra, gosto dela, macambúzia como eu.

Que se entenda, quando vou a andar, e desperto a atenção numa destas casas, só paro por instantes para a absorver, como se estivesse a apoderar-me dela, à distância de onde estou, cá fora, e ela sendo o dentro de qualquer coisa que identifico com conforto e prazer. É tudo muito rápido e descomprometido.

O tempo em que a vivo como proprietário absoluto, nunca o contei, mas deve ser pouco mais de meia dúzia de segundos, dependendo se tenho pressa.

Que me lembre mais recentemente, habitei um magnífico apartamento estilo Arte Nova como um abastado burguês de negócios sérios, mas ainda assim um burguês financeiramente saudável. Possuí uma casa esconsa num bairro popular e era padeiro, e como trabalhava à noite e dormia de dia, podia ouvir a vida do bairro a desenrolar-se enquanto estava acantonado na minha cama que praticamente preenchia todo o espaço do quarto. 

Já morei em casas com varanda e vista para o rio, e outras a debruçarem-se sobre jardins frequentados por velhos, a maior parte coxos e com bengala, e crianças muito crianças, na fase em que só fazem asneiras, sendo que afinal essa fase é contínua pela vida fora. Não referi os pombos que se fossem correios tinham uma utilidade, mas assim são inúteis e cagam.

Tenho tantas casas quantas as que paro a imaginar vida dentro delas. Sou um proprietário próspero.

Quando retomo o meu passo errático, deixando-as ficar para trás, esqueço-as de minhas, e perco-me na próxima que me chame a atenção, não deixo remorsos nem saudade, sigo em frente.


Desconfio que sou um voyeur, o que ainda não sei é se isso é uma doença, ou um passatempo sem outras consequências, de uma imaginação fértil. Pode até ser que seja uma coisa boa e inofensiva, esta de me sentir senhor das casas da minha cidade.



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