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Mensagens

A mostrar mensagens de junho, 2017
ALDRABILHAS, é a palavra mais suave que conheço para designar com carinho os biltres. A minha vénia de gratidão a alguns, tantos,   políticos do meu país. Pedrogão Grande, ou pequena, fica onde? Foi já ali.

ONTEM - FOLHETIM 5

A escola não tinha campainhas, era por intuição, mais ou menos, que se acertava o tempo certo do recreio. Mais ou menos três da tarde. Correm, quase num andar correr contido - porque são meninas - para o pátio, correm elegantemente. Ainda não estão todas e entra em cena o Stevens, um modo de dizer. Ele não está presente, a sua voz.  Os argumentos todos para as arrumar à primeira com o primeiro argumento. Como disse alguém, que tudo disse o que havia de interessante e bem pensado para se dizer de uma vez por todas sobre todos os assuntos do mundo, as alunas dóceis que naquele tempo tinham que ser dóceis, começaram por estranhar comportadamente a música. Segredaram coisinhas suas, inseguranças - em situações assim falam-se coisas - e por fim entranharam, tomaram gosto. Depois desse primeiro momento, tenso, indeciso, os radialistas animados, deram o seu melhor: a playlist era pôr todos os discos a tocar, uns após os outros. Salvador, locutor, só fazia separad

UM NOME

Estou a perder um nome. Tropeçou, Distraído, No poço da memória. Abstraíu-se, Caiu de borco, Fundíssimo, nos fundos de um poço imenso. Há cordas fortes e compridas Para o resgatar? Atenção, No silêncio pesado, ouvem-se ecos, débeis. No eco, reside a esperança. Como era o seu nome? Talvez se possa salvar. Seria uma catástrofe, Uma perda irreparável. Não se pode perder um nome.

CORNOS PISCA-PISCA

Sacana do bicho, um toiro. Fogueteava dos cornos. Parecia a torre Eiffel, não uma, duas , no quatorze de Julho a chispar fogos de artifício. Nunca antes se tinha visto um fenómeno que só podia ser do Entroncamento mas foi em Benavente, um toiro luminescente. Estamos cada vez mais na moda, temos tudo e melhor. É de tanto ouvirem falar no nome do nosso país, que desaguam por aí, a rodos, de dedão no chinelo, hectolitros e hectolitros de turistas europeus. Não é pela instabilidade na bacia do mediterrâneo, ou  porque a Turquia teve alterações climatéricas repentinas, não, é porque somos mesmo o país que mais vezes está nas tabelas do “Guiness”. E as pessoas gostam de um país assim: inovador e único. Somos os melhores e por que raio não nos tínhamos apercebido disso antes? Estranho! Porque andamos desde o Senhor Henriques sarnados de melancolias e desistências, quando somos do melhor! Temos uma raça de toiros faiscantes, fenómeno muito mais saudável que um atropelamen

ONTEM- FOLHETIM 4

Troveja a esplendidez da tarde, segundo acto do dia. A Dona Elvira é boa pessoa, tem uma filha obesa e um gato. Dada a sua condição avantajada, Elvirinha a filha que repete o nome da mãe, pouco sai de casa, debruça-se da janela da marquise e a cabeça de fora conta como ter saído de casa. É pouco mais velha mas parece da idade das criadas, velha portanto, mas muito menos interessante sexualmente do que as primeiras, viçosas, roliças, rijas. Tudo indica que a sua vida se encaminha para vir a exercer a profissão de leitora compulsiva, um sacerdócio Infrequente. Este género doentio de leitores, de lerem muito, ou são obesos, ou magríssimos, ou fleumáticos. Também há de todos os outros, pelo que há de tudo. As relações entre moradores e estudantes não são as melhores. Existe distanciamento, quase omissão. Anda no ar, como se diz. Os dois  grupos delimitam  territórios com pouca mistura. Há  uma solidariedade tácita no grupo dos residentes apesar de fora das horas destas con

A VIDA NO SEU GERAL

Hoje não choveu, ou pouco; não ardeu, ou menos; não calorou - ou muito ou pouco - de ter feito calor com uma palavra inexistente e aceite.  Foi um dia banal, no sentido de acontecimentos dignos de nota noticiável. Hoje não se resolveram as dúvidas que se tinham de ontem, ainda menos se esclareceram as de hoje, e fica-se a distância longínqua de se ter uma vaga ideia sobre as precauções que se devem tomar relativamente a amanhã, dia perigosíssimo, porque é desconhecido. Sendo todas, estas, as co ndições que se apresentam, é de uma grande probabilidade, que as pessoas, incomodadas por tanta dúvida insegura, sejam levadas a dizer mal da vida em geral, e dos acessórios da vida que constroem o seu geral.

FICÇÃO

Podemos inventar sem ir? Escrever sem ver? Podemos, anunciando com trompetas A entrada em cena da ficção. Feito assim, nesse preceito, Aceita-se a fraude.

ONTEM - FOLHETIM 3

O maior mistério de todos os tesouros é não se saber onde estão, pairarem escondidos do olhar, com inimagináveis riquezas que não se sabe se sim ou não. Por isso mesmo porque não se veem é que soltam as imaginações, desabridas, em cavalgadas sem rédeas. Se há coisa que vem em qualquer momento a jeito de todas as mentes menos as diminuídas, é a invenção de uma bela e robusta história. Entretém, preenche, justifica, dulcifica. Os miúdos têm uma curiosidade insaturável. Há casinhotas completamente desinteressantes e outras que despertam sururus, mistérios insondáveis. Estão em fila e têm as portas de madeira pintadas de amarelo, canário. Estão numeradas ou não, talvez. De todas, a que se destaca é a número três, número que deus fez e neste caso o que calhou ao fotógrafo, que a habita (uma forma de dizer) e vive com a família no rés-do-chão esquerdo. Não é um homem de simpatias fáceis. Um fotógrafo tira fotografias, mas o senhor Casimiro nunca foi capatdo na via pública
Desânimo, tristeza, choro, impotência. Este país, bonito, não é para ninguém. É muita loucura. Num dia campeões de tudo, no segundo seguinte o caos da negritude absoluta. Nada, somos o nada. Os palhaços ao serviço passeiam-se nas televisões, Belos discursos gongóricos. Putrefactos discursos. Ninguém faz nada e todos os demais que são ninguém, Não querem saber de nada. Hoje e amanhã os rostos ficam carregados e choram. Depois, continuarão a palitar os dentes, indiferentes, amorfos, Completamente estúpidos.

ESPECIARIAS

É a loja mais fotografada da Rua dos Bacalhoeiros, em Lisboa. Os turistas acham que são especiarias, como as que se encontram espalhadas pelas medinas do Norte de África. Só é estranho o facto de por cá usarmos especiarias de moagem grossa

TAMBÉM HÁ SANTOS NAS PERIFERIAS

São labaredas e enormes, têm mau aspecto, feias. Toros grossos de madeira ardem descuidadamente, chispam faíscas. Fumo branco. Como todo o fumo, escapa-se na lógica de subir às alturas e dissipar-se. Os bombeiros, atarefadíssimos, andam de um lado para o outro, concentrados nos trabalhos sérios dos bombeiros, cada um na sua missão. Trabalham bem em equipa. Falam-se poucas palavras. Nestas condições para se ser preciso, não se fala mesmo. Há tensão no ar, também nervosa. O ambiente está carregado, mas a organização é exemplar, a resposta imediata, irrepreensível. Quando parecia que tudo estava perdido, afinal as primeiras sardinhas do ano estão excelentes. Comem-se no quartel de bombeiros de Queluz, urbe densa, que não tem só um palácio azul e quartel de tropas artilheiras e gente de multiculturas que a vivem, como igualmente uma comemoração dos santos populares -no que respeita ao aprumo do serviço, a diversidade da carta e a qualidade do produto –

A INTERROGAÇÃO

Ando a escrever um livro, não a minha obra prima. Essa depois de escrita tomou por decisão, que respeito e não contrario, a procura de refúgio monástico. Fechou-se numa gaveta que por lá tenho, e emudeceu. Respeito as suas convicções e não a vou visitar. Ando a escrever um livro que fala de amor. Não é por ser esse tema, podia ser outro, mas não consigo terminar. Acho que me tomei eu mesmo de amor por ele, impossibilitando-me de libertar o objecto amado. O amargo da perda ou da perca – que nunca sei – abate-me. Encontro sempre e por isso, uma boa desculpa para acrescentar algo mais, aplainar palavras mais rudes, rever pontuações. Como se soubesse fazer isso, aplainar ou rever. São assuntos de entendidos e eu não sou entendido, em nada. Mas são as desculpas, para termos um convívio diário, e enquanto se mantém uma relação assim, mesmo que já não seja honesta, atiça-se a esperança de mantermos uma dependência. Ela, a história, estará desejosa de ganhar a sua, neste ca