Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2022

TOUPEIRAS

  Havendo ou não um túnel, curto ou comprido, onde a luz é escassa, quase trevas, e sem que se veja, se sente apenas que se caminha numa direcção que não se sabe, até que finalmente, depois de passarem todos os filmes e projecções dos anos que foram vividos, uma pequena impressão de luz, tão débil, que mal se pode acreditar, pode ser uma falha da visão, um erro, se avista a uma distância que não se calcula, se perto, se longe. Havendo o desfilar por ordem de um caos que se instala sem regra nem ordem, dos acontecimentos, episódios, histórias boas e más e indiferentes, datas comemorativas, datas de pesar, datas formais, datas por obrigação, relações e quebras de relações, laços fortes e que se desfizeram num soprar de brisa fraca, rostos, definidos, indefinidos, belos, alegres, sofridos, e as outras coisas todas, tantas ou mais talvez, as paisagens, as linhas de horizonte, o Ceu, o Mar, a Terra, os seres diversos e imprescindíveis. Havendo tudo isso e tudo o que se esqueceu, e que foi

AS MENINAS

  Nunca fui capaz de me cruzar com uma pessoa sem a cumprimentar. E elas também me saudavam. Não sabia, mas inventei-lhes nomes, não se pode tratar ninguém sem se poder nomear. Conhecíamo-nos. Eramos do sítio. Eu sabia que todos os dias a determinadas horas elas estavam nos mesmos lugares das mesmas ruas do meu bairro, e elas sabiam que eu passaria por essas ruas, miúdo tímido, a mal levantar o olhar ao olhar delas. Cada um de nós tinha os seus afazeres, mas nesse ponto eu não tenho a certeza de na altura, saber os afazeres delas. Teria talvez uma ideia vaga ao que se dedicavam, porque estavam ali, o que não me interessava, porque o que valorizava e valorizo, é a simpatia das pessoas. Nisso eramos fartos. Foram anos de convívio, em todas as estações do ano e na altura eram quatro, elas sempre nos mesmos sítios, eu, a passar por elas, para cima para baixo, nas ruas amplas do meu bairro. Os passeios eram desafogados e estavam pontilhados num alinhamento geométrico, por árvores de grand

O TIO FUNAMBULISTA

  O meu tio José era funambulista, mas a família não o sabia e mesmo sabendo, pelo nome, não iam lá, ao âmago, que é o significado que as palavras dão às coisas. Mesmo que o meu tio lhes explicasse, eles nunca iriam compreender como é que uma pessoa desperdiça uma vida equilibrando-se numa corda a não se sabe quantos metros de altura do chão. Para quê? O que queria ele demonstrar ao mundo, com essa atitude?  As irmãs pensavam que ele era limpa-chaminés, o que já era uma aproximação, mesmo que discreta, à sua verdadeira actividade profissional. Os cunhados, homens brutos e pouco instruídos, só falavam de futebol e mulheres. Como tal, temas como o do funambulismo não eram considerados nem tidos em consideração. Por isso, pouco ligavam a esse cunhado. Se lhe tivessem alguma vez perguntado, ele ter-lhes-ia dito que era um desafio de superação, que se tornou obsessivo com o passar do tempo. Que até tinha vertigens e medo das alturas, mas era uma pulsão mais forte do que ele e por isso insis