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Mensagens

O grito abafado que me dilacera

    A espuma das ondas, na rebentação, são o último suspiro, inglório, tudo é vão, na areia humilde da praia, ponto final da vida.  No palco da representação das coisas e dos seres e da mistura de ambos, a espuma é um actor secundário. O esgar derradeiro da onda, antes plena de energia, vida pujante, não vale nada, nada vale nada. A espuma das ondas, ou dos dias, ou dos acontecimentos, nunca será um protagonista das histórias. É somente espuma, esfarela-se em coisa nenhuma, um fogacho, uma insignificância. Neste teatrinho do faz de conta e do mesquinho e desvalido, todos espumamos importâncias, reivindicações de atenção, gritinhos mais altos, embandeiramos verdadezinhas nossas, vendendo-as como absolutas, cavalgamos poderes pífios, tentamos ser alguém quando já o somos pelo acto de nascer, não porque somos mais estridentes. São as ondas que interessam, esse fluxo inexorável de tempo e espaço, essa deslocação constante de todas as peças do universo, que até podem ser...
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OBRIGADO!

Este povo tão lúcido, tão desperto, tão adulto, ponderado, com pensamento crítico, a caminhar de novo alegremente no picnicão , nos corredores húmidos e escuros. O telefone volta a tocar na galeria gélida de uma António Maria Cardoso, que se julgava esquecida. Obrigado! Estes, tantos, políticos que esgadanharam a experiência da democracia, nem conseguida por eles há 50 anos, mas pelo suor de outros, que nos trouxeram de mão dada e crédulos, outra vez, ao beiral do abismo. Políticos a vitimizarem-se. Não foram eles. Nunca são eles, é a conjuntura, é o sistema, é o regime, é a nova ordem mundial. É a grandessíssima p…. que os abortou. Obrigado! A jornalistas, comentadores, meios de comunicação, agências de manipulação de imagem e massas, politólogos disto e daquilo, sondagens costuradas por encomenda, connosco ao colo, embalados em sonos profundos, à porta das celas que se adivinham. Um grande bem-haja, por sermos bons portugueses e bons acólitos. E agora? Resta-nos – s...

As 14 estações do caminho do Homem

O Homem é condenado à morte O homem é inocente do pecado que não cometeu. Outros homens, menos homens, condenam-no à morte.   O Homem carrega a cruz às costas Esses menos homens, invadem a terra do homem, destroem tudo e a possibilidade de ele continuar a viver, no único lugar que conhece e chama seu.  O homem inocente percorre o caminho da sua cruz,   O homem cai pela primeira vez Titubeante, fragilizado, cai e sofre, custando-lhe levantar-se e enfrentar o caminho que não tem sentido percorrer assim. O homem encontra a sua mãe O homem olha olhos nos olhos os seus, sua mãe, seu pai, e chora, porque é impotente e não os consegue proteger do mal que se abateu sobre eles.   Um homem como esse homem, ajudou- o a carregar a cruz Um transeunte, homem seu igual, apieda-se e ajuda-o a carregar a cruz. Peso insustentável para toda uma humanidade, representa o peso do mundo, nesse homem triste e inocente, que a carrega,        Uma mulher de nome Verónica ...

Um passeio de barco

Desnovelámos uma conversa suave, sobre tudo e sobre nada, falamos das coisas mais complexas e das maiores futilidades, flutuando suavemente com essa partilha, num pequeno barco de pesca, pairando em recantos de rio, molduras para pinturas naturalistas. Como em todas as coisas que são importantes, na importância que damos a episódios das nossas vidas, o tempo parou, suspendeu-se para nós, curioso a querer ouvir a nossa conversa. De quando em vez, a interromper o silêncio majestático de um rio tranquilo, o ruído das grandes carpas em trabalhos de parto (desova). A riscar o céu que estava posto de azul para nós, corvos marinhos negros, flechas voadoras, garças reais e outras, de longas asas, ganhando altura em movimentos longos de impulso, águias pesqueiras, seres de nobreza respeitosa. Os recortes das curvas do rio, a derramarem reflexos dos verdes das árvores cerradas, sobre a superfície da água, a recebê-los, misturando-os de seguida com as cores próprias e suas que as águas têm. E...

O Caçador que é só de nome

  A o lado de um grande homem, um que o seja, está uma grande mulher, que seja só mulher. E ao lado desta estará este. Parece um salmo canónico, mas não é. Não tem nada de divino, tem tudo de humano. Falamos da harmonia das coisas. Assim devia andar o mundo, aos pares, dois fazem uma maior do que um só. É a filosofia dos axiomas simples, que podem levar a teses de mérito. Esta regra devia cumprir-se em tudo: na vida das famílias, na vida das labutas, na vida dos prazeres transitórios. Sendo este o panorama, desta conversa enviesada que não se entende, damos de caras com a porta do restaurante O Caçador. Entrados, devidamente instalados, recuperado o folego da catadupa de palavras para chegar a este ponto, podemos, agora relaxados, desfrutar de um bom repasto (o vinho é honesto). Bochechas, Queixadas, Lagartos, não se trata de um manual de anatomia veterinária, nem o cabrito, nem o borrego. É de comida que se fala e juntamente com outras estrelas do menu variado, fazem a casa,...

O milagre da transformação das mimosas em medronhos

É um quadro bucólico, não fosse esta palavra fora da moda, uma palavra do romantismo, no tempo em que uma paisagem campestre era bucólica e sentimental. Agora, não há paisagens bucólicas no campo, que deixou de ser  espaço de fruição e é cada vez menos espaço de trabalho. Agora, vai-se ao campo para fazer caminhadas esgotantes preocupados em contar os passos e medir constantemente a frequência cardíaca e percentagens de oxigénio. Terminadas e ofegantes, orgulhosos dos níveis e desníveis acumulados nas leituras GPS e guardados nos mapas que logo à noite se vão publicar nas redes sociais para envaidecimento próprio e pingar pirralha aos amigos, descalçam-se as sapatilhas, entra-se no carro e volta-se ao ponto de origem, a cidade. Os que foram, foram ver, não olharam. Os campos já pouco se trabalham, deixaram-se ao abandono das giestas e dos matagais. As florestas já não são locais de saúde física e mental, viveiros de vida, poupanças de futuro para os filhos e os netos, são locais ca...

AS TOUPEIRAS

Havendo ou não um túnel, curto ou comprido, onde a luz é escassa, quase trevas, e sem que se veja, se sente apenas que se caminha numa direcção que não se sabe, até que finalmente, depois de passarem todos os filmes e projecções dos anos que foram vividos, uma pequena impressão de luz, tão débil, que mal se pode acreditar, pode ser uma falha da visão, um erro, se avista a uma distância que não se calcula, se perto, se longe. Havendo o desfilar por ordem de um caos que se instala sem regra nem ordem, dos acontecimentos, episódios, histórias boas e más e indiferentes, datas comemorativas, datas de pesar, datas formais, datas por obrigação, relações e quebras de relações, laços fortes e que se desfizeram num soprar de brisa fraca, rostos, definidos, indefinidos, belos, alegres, sofridos, e as outras coisas todas, tantas ou mais talvez, as paisagens, as linhas de horizonte, o Ceu, o Mar, a Terra, os seres diversos e imprescindíveis. Havendo tudo isso e tudo o que se esqueceu, e que foi...