Se fosse lobo seria siberiano, do Ártico, grandioso, por ser lobo e pelo manto volumoso que o reveste. Seria, no porte e pela atitude, uma macho alfa, como poderia ser uma fêmea alfa, desconhece-se se no reino animal há preconceitos de género. Mas não era lobo, era um magnífico exemplar dos cães pastores-alemães. Inteligentes como os seus compatriotas humanos, quase todos, porque há sempre excepções. Qualquer treinador de cães nesses idos anos oitenta do século passado, gostaria de ter algum no seu curriculum de ensinador de cães, e eu, que mal me ensinei a mim mesmo, mas que não deixo de tentar, senti o meu ego piscar faíscas de autoestima, por estar a ensinar um cão-pastor alemão a defender o património do seu dono, um bar em Portugalete , uma periferia operária da Bilbao de então. Eu bem tentei, e o curso que deveria ser de um mês já ia nos três. O animal era encantador e estabelecemos uma boa relação de amizade apesar de eu não saber falar basco, e ele também não porque era cã
Cresci numa família que usava ceroulas, os homens. A sociedade dividia-se entre os que usavam e os que não usavam, fui parar sem escolher, ao primeiro grupo. E como está de se entender, eu também as usei. Confesso que achava ridículo (palavra que lá em casa não se empregava e tenho pena porque não desgosto dela), quando de manhã via o meu avô ou o meu pai na casa de banho, em ceroulas, pareciam-me pinguins, a passarem com todos os cuidados a brilhantina pelos cabelos, revoltos nas voltas das noites, prazeres ou insónias, alinhados durante o dia em concordância com as normas das repartições públicas: o meu avô nos correios, o meu pai empregado de escritório. O que nunca perdoei nas ceroulas, o que me denunciou tantas e tantas vezes no recreio da escola primária, era aquela faixa mais ou menos branca, a sobressair aos olhos do mundo, por debaixo da bainha das calças e nem as meias pretas, cumpriam a tarefa de esconder a vergonha alheia, ou porque o cano dos tornozelos era já de si cu