As palavras ficam pálidas se não as pintamos com cores, disse-me alguém um dia e sabia o que dizia. Foi meu professor de instrução primária e era um homem sábio e humilde, que colecionava selos e sabia o nome de todos os alunos. Todos temos palavras preferidas, as que mais usamos, especialmente em ocasiões festivas. Mas no dia a dia algumas são tão repetidas que se tornam caricatas. Há mesmo quem passe a vida a repetir, uma cacofonia, as mesmas palavras rebuscadas e deslustrosas. É uma ideia sensata que as assentemos num caderno, não venham a ser esquecidas, se um dia fecharmos os lábios secos à construção dos sons ou se avariar a máquina de teclar pensamentos. Os forasteiros, caso venham a encontrar nos nossos despojos esse caderno, ficam a conhecer as palavras que nos preencheram, as peças que utilizámos para montar os sonhos e as ilusões, em castelos de papel manteiga, e que tantas vezes nas nossas vidas, desmoronaram com os vendavais dos nossos suspiros em dias de nostalgia
Sempre que passei e passo muito esporadicamente por esse largo, um semicírculo, experimento a mesma sensação, o que me leva desarmado da convicção científica, que não a encontro, a acreditar que há ali qualquer coisa de outra Dimensão. Uma paranormalidade. Não só nesse semi-largo, como também ao longo dos extensos muros que separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos. Acontece uma luminosidade diferente, mais intensa, como se flutuando no ar, partículas piscantes de luz, tal e qual o que nos acontece quando depois de uma exposição excessiva e focada a uma fonte de luz, e ao fecharmos os olhos, ficamos inundados dessas partículas de luz a saltitarem sobre o fundo negro do nosso interior ocular. Essa aparição talvez só sentida por mim, em pele de galinha, deixa-me desconfortável e por isso vou poucas vezes ao cemitério do Alto São João, ou seja, ao Largo que anuncia os portões de entrada no reino dos que já partiram. E nada me leva a esse lugar, a não ser uma memória de um dia passado