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Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2014

Irmão meu.

Irmão meu, por aqui o tempo é o da fraqueza, da falta de força para evitar que o que criámos juntos que, diga-se, ficou muito aquém do que ambos desejamos, se desvaneça ainda mais. Não sei explicar-me porquê, a minha estupefação perturba-me o raciocínio, talvez porque seja francamente ingénuo é o que acho. Mas sobreleva a hipocrisia, a ligeireza esperto-matreira, e grave, grave… a impunidade e despudor. É ligeira a forma como se arquitetam as ideias e mais ligeira ainda a perseverança com se levam à prática. Nascem assim do pé para a mão, como se não fosse possível terem raízes e lançam-se assim da mão para o pé que as chutam longe e bem para cima, para onde não podes alcança-las. São ideias sem raízes, que ali ficam pululando com a determinação de serem únicas, frequentemente disputando a inconsistência do achismo. Por princípio valem todas, mas depois valem sobretudo as ideias a que não podes dar valor… por mais que o teu cansaço te desmobilize. Para tão longinquamente

Meu Irmão

Meu irmão, não sei como tem estado o tempo por aí, nem tu o deves saber, que chegaste há pouco, e estas coisas do conforto, não são do pé para a mão. Aqui foi bom. O dia e a noite – se assim se pode dizer – foram luminosos, apeteceu sair à rua, sorrimos descaradamente,  o frio não se fez sentir. A noite esteve muito simpática, e depois quando se fez dia, o sol que é dos nossos, aqueceu a alvorada. Imagina que até as flores que comprei com uma semana de antecedência, ganharam ainda coragem de se porem de rijas e sedutoras . Aguentar até mais não. Não há flores como as nossas! Preguiçámo-nos orgulhosamente pela cidade, por aqueles locais que ambos gostamos, sabes? Houve momentos até que me confundi: era um oceano de cravos andantes ou um mar de homens, ou flores e homens todos misturados e mesmos, ou sei lá eu o quê, inebriados de novas vontades. Não importa, eram muitos, fomos todos muitos. O largo encheu-se. Deixa-me que te diga, que a lágrima

Abril

Se há um mês que gosto, é Abril. As últimas águas limpam os céus das invernias e dos dias tristonhos. As temperaturas amenas, descongelam-nos e abrem   sorrisos . Abril anuncia a transformação: saímos da caverna para dar a cara à luz vibrante dos dias. Somos muito mais felizes neste mês, falamos mais despreocupadamente com os outros, partilhamos passeios e fins de dia, flauteamos por aí. No inicio do mês ainda estamos um pouco aturdidos com tanta luz, habituados que estávamos a longos meses de trevas escuríssimas. Mas em passando o calendário, vamo-nos aligeirando, pondo-nos mais à vontade. Já apetece por uma flor ao peito , porque as há   viçosas e coloridas nessa época. E lá vamos, inchados de contentamento, calcorreando as ruas e as vielas, sem norte fixo, mas com um prazer ingénuo. Andamos a passear a flor do peito, que nem lordes, na ausência de peso, privilégio dos homens livres. Vamo-nos encontrando aqui e acolí, todos com elas na lapela,

Cordeiro de Deus

O cordeiro de deus , cabrito com que comemoramos a páscoa. Sacrifício como júbilo da ressurreição. É muito bom, cozinhamo-lo bem, e dessa forma comemoramos uma tradição. Na mesa, os miudos e os graúdos, não atribuem simbolismo à refeição. Simplesmente comem com gosto. Este ano foi diferente. Os restaurantes tinham reservas feitas com antecedência – mesmo para homenagear o renascimento temos que marcar lugar – e a família, que nisto de datas não perde pitada, recebeu a bênção do jejum num restaurante paquistanês. Somos todos filhos de deus! Deram-se alvíssaras com as chamuças, o nan, a tikka masala. Neste almoço de Páscoa, deu-se o renascimento da família, com muito Amor. Conheci hoje a minha nova sobrinha, também do meu sangue, quatro anos, linda, a futura mulher mais encantadora do mundo! O seu novo avô, alheado da vida no cansaço da rotina absurda dos comprimidos, descompôs-se   num sorriso que já não se lhe via desde a sua infância.

Ao meu Amigo Gabriel

Morre um homem e logo nasce outro. Alguém sentirá a sua falta, um dia outros sentirão , pelo que nasceu agora. Sentimos a falta de um corpo que deixou de existir. Isso doí e leva tempo, se é que alguma vez se consegue, esquecer na sua totalidade. O que esse homem no entanto disse, se nos tocou, por terem sido palavras gémeas das nossas, não se esfuma com um sopro, nem com o mais assustador dos vendavais. Fica pregado à nossa pele, supremo odor de um perfume raro. Obrigado meu amigo, gostamos tanto das mesmas palavras! Só a boa literatura descentra um gesto aparentemente obsceno, no mais revelador dos sorrisos. Grande fotografia essa. E nesse   enorme sorriso, atracamos a bom porto, superadas as intempéries da vida, sempre muito perigosa. Mas se de quando em vez não a mandamos ver se chove, como merece, não arrojamos como tu, tão despreocupadamente, por outros e desconhecidos caminhos, lá onde seja. Por favor, se não te

Matinas

Uma cela. As paredes já foram brancas, há quanto tempo? Agora sem cor que se lhe conheça nome na paleta da memória das cores. O chão também sujo desse não branco, lajedos quadrados, irregulares, muito frios. Pouco mobiliário, se é mobiliário a união de tábuas rudes de madeira, sim isso mesmo, unidas com o objectivo simples de servirem um propósito elementar. Um catre de tábua corrida, um colchão fino como   carpaccio de feno fresco, uma manta descolorida áspera que não aquece.   Cadeira, mesa e nesta um coto de vela; pequeno oratório com um crucifixo na parede; tapete velhíssimo, genuflexório; uma tina de metal, redonda no centro da divisão, receptáculo das brasas, sinais de vida neste lugar. A cela abre-se a um pequeno jardim privado, ultrapassada uma porta que deixa passar  ventos frescos . Cinco passos curtos em qualquer direção a partir de uma oliveira, eixo desta representação do universo. Muros altos delimitam o espaço para lá das alturas de um homem, viram-se o