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A mostrar mensagens de novembro, 2023

Ceia de Natal

A Dona Adelaide tinha um Perú. Não era sempre o mesmo, mudava todos os anos, por alturas do Natal, mas nós não sabíamos. Agora que se pensa nisso, onde é que nos restantes dias, ela meteria o perú, , que não se dava por ele no pátio do prédio onde representávamos o papel de crianças - eramos muitos - e brincávamos, aproveitando todo o tempo da infância, que no futuro nunca mais seriamos vistos com bons olhos se brincássemos, na monotonia formal da idade dos adultos. A Dona Adelaide teria seguramente o seu perú numa das divisões da casa, como se fosse um animal doméstico, que estamos certos de que  seria. Há quem tenha papagaios, periquitos, lagartos, ela tinha um perú. Chegámos várias vezes, quando nos lembrávamos, de colar as orelhas à porta de casa de Dona Adelaide, a ver se captávamos sinais de vida do dito. Só na altura do Natal é que o animal dava contas de que estava vivo, saia à rua, quer dizer ao pátio e por aí andava uns dias, bastante descontraído, até que a Dona Adelaide

AS LAGOSTAS

O meu pai desfolhou a vida a equilibrar-se nos patins, sem saber andar de patins. Não o critico, porque eu desfolho a minha equilibrando-me sei lá em quê, sem saber se me equilibro o suficientemente bem para andar sem quedas aparatosas. O meu pai gostava de chamar atenções sobre si e muitas vezes arriscava números complicados. Era um provocador, e como em todas as artes circenses e outras, mesmo as dos gestores de fundos, umas vezes acerta-se, outras, menos. A firma onde trabalhava – era assim  que se chamavam as empresas nesse tempo – tinha uma fábrica de lâmpadas, na zona oriental de Lisboa, e fabricava os melhores televisores do mercado. O mercado sul-americano e especialmente o brasileiro,  tinha um grande potencial de consumo de televisores, e devido à proximidade de termos uma língua mais ou menos parecida, os executivos holandeses da firma, consideraram Portugal como a plataforma de exportação de televisores para a América latina. Alugaram um Jumbo da Boeing e o meu pai,

AS BATAS

  O avental é uma peça de roupa que consiste num resguardo de tecido ou de pele, com ou sem peitilho, que se amarra à cintura e que serve para proteger a roupa enquanto se desempenham determinadas tarefas, domésticas ou profissionais. O bibe é uma espécie de avental com mangas para resguardar a roupa das crianças. Desconheço o nome da peça de roupa que não é um bibe mas que é um avental como se fosse um bibe, para adultos, que muitas mulheres conterrâneas nossas, vestem a diário como peça de roupa fundamental e exclusiva. Poderá ser bata, o que resolve a dúvida. A minha avó Maria, era uma mulher moderna. O que dá para muitos entendimentos. Era uma mulher desembaraçada, solta, dada a empatia búdica com todas as ideias, modas e estilos. Tão desprendida como se vestia e desarranjava, que podia dar a ideia de alguma afectação, uma declaração de princípios. Apresentação com o propósito de chocar, ou somente vincar, a sua posição no mundo. Que era de absoluta neutralidade e compree

BEIJOS REPENICADOS E BONS

  BEIJOS REPENICADOS E BONS Os beijos têm muitas formas de se beijarem, num espectro que vai do formal, ao familiar, ao amante, ao erótico, e nas últimas das suas consequências e propósitos, nem sequer têm um nome porque possam ser chamados. A minha tia Custódia dava-os repenicados e sonoros e era a sua especialidade. Nunca mais ninguém me deu beijos assim, nem mesmo a minha prima, sua filha, que herdou o talento da mãe para dar beijos repenicados. Não posso dizer que tenha sido sempre um apreciador desses beijos, e lembro-me longinquamente  quando - por ser pequeno - estava preso aos seus braços e ela desatava nesse frenesim de beijadela, sentia-me sufocar e não compreendia as razões do seu desvario. Essa manifestação quase exagerada, mexia comigo, que sempre fui um delicodoce com muitas tendências para o amuo. Ela deliciava-se e fazia jeitos de grande felicidade e com o tempo – esse grande escultor - fui compreendendo que esse seu exercício sonoro e de sucção compassada, er

FALAR SOBRE A MARIA.

  FALAR SOBRE A MARIA. As vidas não são exemplos de vida, mas algumas podiam ser. Apesar das valorizações pessoais e subjectivas do bem e do mal, há pessoas, talvez sem se darem conta disso, até porque não se estimam particularmente, ou se acham minúsculos (que todos somos) e absolutamente anónimos, deixam na sua passagem por este plano de existência, um rasto de luz e esperança. E nem sempre, ou quase nunca, são os “grandes” deste mundo, que deixam uma pegada com as mãos lavadas e nítidas. Há vidas mais sofridas outras menos, há de tudo, de muita a pouca felicidade, sucesso, preenchimento e o que se queira. O mundo entre outras coisas, não devia estar dividido com baias, devia sem amplo e desafogado de muros e redes e todos termos o direito de pertencer a todo o lado, independentemente da língua que falamos e dos atavios que temos em cima de nós, incluindo as tonalidades da nossa pele, mas tudo isso são romantismos e sonhos ingénuos. O “pedaço” onde residimos, que amanhã pod