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Mensagens

A mostrar mensagens de janeiro, 2019

MENSAGENS DE AMOR EM TEMPOS DE GUERRA

Um Aerograma “Mariazinha minha doce amada. Penso que não te ofenderás se disser doce, menos ainda, amada. Não nos conhecemos em corpo, tu aí na metrópole, eu aqui nesta África por obrigação, mas chegará o dia, ambos o esperamos com a ajuda de um destino superior, que ajude a realizar o nosso encontro físico. Até lá, com o que já nos escrevemos, minha madrinha de guerra, ganhámos tanta intimidade que me permito sem vergonha e esperando que tu não cores, apaparicar-te com essas duas lindas palavras. Doce Amor. Amor Doce. Hoje no entanto, estou triste. Escrevo-te em azul petróleo, para não dizer negro. Aconteceu morte, a nossa rotina nesta espécie de profissão obrigada. Deveria parecer que estamos habituados a ela, mas nunca estamos, menos ainda quando nos leva um próximo. Lidar com a morte não é o mais difícil. O primeiro luto é pesado e lento, mas depois de se instalar repetindo-se todos os dias, praticamente, torna-se como todas as coisas, numa sensaboria.

PANEGÍRICO

Falamos hoje do Panegírico, um produto elaborado e fino, produzido no nosso scriptorium , somente em edições vintage. Um panegírico segundo o lexicógrafo é um ”discurso de exaltação em louvor de alguém ou de uma entidade abstracta”. Sendo isso, é apologético, elogioso, encómio, laudatório. Um rol de palavras difíceis de dizer, mas palavras com a sua importância. Um panegírico é uma massagem de corpo inteiro com óleos essenciais e velas de cheiro. Não há um único humano que não goste de um. Parece que os cães e os gatos também, mas não se sabe se é pelas palavras ditas ou se é pela entoação das mesmas, que os amolece de prazeres e júbilos. A ser bem feito, é mais que uma simples mensagem: é um tratado de bem elogiar a toda a prova. Escrever um panegírico obedeces às regras que se descrevem: Introdução. Requer uma longa, estendida, descrição do ambiente familiar  que rodeia o visado, depois descreve-se o individuo ou situação que se vai elogiar. Desenvolvimento.

MENSAGENS DE CONVENIÊNCIA

Engraxadoras, passam as mãos cínicas pelo ego do destinatário. Enrola sentimentos, interesseiras, dissimuladas, a dizerem gato por lebre. São prosas de artifícios retorcidos, a fazerem-se simpáticas, rimadas, a armarem poesia, ao engano das pessoas que não esperam uma esparrela dessas. Cheias de gongorismos, artificíais, pinga mesuras, cumprimentos feira da ladra, salamaleques rafeiros a armar ao pingarelho. A mensagem de conveniência é publicidade enganosa e pretende obter um ganho desonesto, uma fraude. Escrever uma carta destas pede estaleca e ausência temporária ou definitiva de sentimentos na região do coração. Temos colaboradores desse género (um serviço universal como o nosso obriga a ter todo o tipo de colaboradores) com muita estaleca. Uma conveniência redigida por nós é uma garantia de sucesso, e de desgraça, mais tarde ou mais cedo, para o destinatário da missiva. Somos reconhecidos nessa competência. Encomende.

MENSAGENS DE SEPARAÇÃO

Uma carta de separação é um dilaceramento, um crepúsculo, uma febre alta com o corpo a arder, um doer generalizado, dos músculos, das junções das peças todas do corpo, e as da alma. É uma folha rasgada ao meio – nunca mais se colará e ficará igual – rasgados também o coração, o peito e todos os órgãos internos que bibliotecam emoções. Pode ser também uma decisão, um bater tonitruante e assertivo de uma mão fechada, no tampo da mesa, uma consciência aguda, e desperta, olhos bem abertos, de que já não há mais nada a fazer. Por vezes é um alívio, uma libertação, mas rasga na mesma. Uma mensagem escrita de separação é sempre uma decisão definitiva, mesmo que depois venha a acontecer conciliação. No entanto, tudo muda irremediavelmente. Por isso é uma acção triste, outras irada. A mistura das duas é a mais comum. As palavras que se usam neste tipo de mensagens são de dor, mas também de "nunca mais", de "não te quero". Mas nem sempre de "não te a

MENSAGENS DE CONCILIAÇÃO

O exemplo das diplomacias. Dir-se-ia mesmo, um documento nuclear, não por ser bombástico, pelo contrário, mas por ser a essência, a origem, o ponto de partida, do labor diplomático: o entendimento dos homens. É um caso que pede cuidados extremos, é coisa de gente madura: avançar na escrita concentradamente, em bicos dos pés, com mãozinhas de veludo, com pinças. O uso e escolha das palavras deve ser peneirado vezes sem conta, até que tenham desaparecido todos os resíduos. Não pode haver a mais pequena possibilidade de um mal-entendido. Uma frase diz o que diz e nada mais. Não é um mil-folhas em camadas. Não há segundas intenções. Leituras subliminares, que ficam na manga e que possam vir a inquinar o objectivo pretendido com esta carta - o da aproximação - são um perigo que pode deitar tudo a perder. Uma palavra deslocada, uma vírgula mal apensa, reticências nunca, nem pontos de exclamação, tudo isto por junto ou separado pode causar um grande transtorno

MENSAGENS DE ÓDIO

Uma mensagem de ódio, para ser de qualidade, exige um destilar de palavras fermentadas num alambique específico, gota a gota, que a seguir são refinadas para repousarem com tempo em barricas de rancor, para adquirirem a acidez apropriada ao fim a que se destinam. Há mesmo um medidor de acidez de palavras, instrumento científico. A excelência de frases de ódio encontra-se no equilíbrio da maceração das palavras, no processo de fermentação e posterior assentamento no receptor rancoroso, a barrica. Escrever uma boa carta de ódio é um trabalho de alquimista. Sendo fácil cair na ofensa brejeira, o escrevente deve munir-se de uma grande concentração, ser um praticante avançado do bom gosto a dirigir uma ofensa conscisa, para não se vir a perder no impropério boçal, na asneirola, no bota-abaixo, afinal o caminho mais fácil do ódio. Para ser boçal, a pancadaria, que é mais eficaz do que a palavra, mas muito menos poética. Uma boa carta de ódio é uma obra de filigrana, difícil

MENSAGENS DE AMOR

Uma carta de amor é um assunto muito sério, é mesmo das coisas mais sérias que existe na face, visível ou oculta,  da Terra. É por isso que se deve ser rigoroso na escolha das palavras. Apesar de dispormos na nossa base de milhares de palavras, possíveis candidatas a fazerem parte de uma carta de amor, fazemos previamente uma entrevista cuidada com cada uma, para saber do seu valor, da sua compatibilidade, da grandeza da sua alma. A honestidade de sentimentos de uma palavra é bastante apreciada, demonstra a nobreza do seu carácter. Queremos ter a certeza que todas as cartas de amor são únicas,  e não podiam ser melhor escritas. Por essa razão trabalham connosco os mais entendidos em cartas de amor - psicólogos também, e conselheiros sentimentais - para se garantir elevada qualidade e sanidade mental das palavras escolhidas para fazerem brilhar uma carta de amor. Consulte-nos e comprove a qualidade do produto. Devolvemos o dinheiro se não ficar satisfeito, mas vai

O DIZ QUE DISSE

(*) Deixou de ter ideias, fosse do que fosse. Faltando essa companhia, emudeceu, depois de ter ponderado. Passou a ouvir com atenção os pássaros, ouviu-os tão profundamente, que os entendeu. Não seria por isso que iria revelar aos outros homens o que dizem os pássaros. Manteve-se silencioso. Virou-se para o miar dos gatos. Acontece que estes seres subtis falam muito pouco e são por natureza misteriosos, inexpugnáveis. Não disse nada a ninguém sobre esse tema delicado. Olhou para os cães com olhos de os querer ouvir. Quando ganhou o conhecimento do que diziam, não o espantou que o dissessem, mas também não o iria revelar. Eram cães, os homens que os entendessem. Neste estudo dos idiomas e das línguas, distraiu-se com o tempo. Esqueceu-se, o próprio um poliglota, de falar. Resolveu, a sua última resolução, que já eram resoluções suficientes para uma existência: iria escutar o que diziam os homens. Curioso, a tempo de os vir a entender.

O PASSADO FINOU-SE

(*)  ... agora mesmo. - Boa noite Senhor Doutor, com a sua licença que não quero incomodar: a sua sopa, a preferida. Acabadinha de fazer, a escaldar como gosta, com os produtos da nossa horta. Coma-a ainda quentinha Senhor Doutor, os aconchegos do estômago repousam a alma. - Obrigado dona Jesus. Disse o Senhor Doutor sem tirar os ajudantes dos olhos (uma armação barata em massa preta com lentes espessas) dos papéis que esmiuçava meticulosamente à luz de um candeeiro que iluminava, pouco, uma mesa de camilha em renda, feita e oferecida pelas afilhadas no seu aniversário passado. Lá fora fazia noite. As árvores e os grossos muros do palácio, absorviam os sons do exterior, criando um perímetro protegido dos sons da cidade que mesmo à noite, não deixa de produzir os seus ruídos próprios. Com toda a alimária recolhida, o espaço estava em recolhimento. - Com a sopa e a mantinha nas pernas, é remédio santo, aquece num instante. - O problema senhor Doutor desta cas