Eu não compreendia nesse tempo o fado, mas
compreendia o amor, talvez já um pouco demente, que ele tinha por uma canção,
entranhada na alma e nos corpos das gentes de Lisboa, motivo das paixões mais
violentas, e de desfechos trágicos, nos bairros mais pobres e decadentes. Era
uma música que eu considerava melancolicamente triste, que me incomodava, sem
saber explicar. Ainda não tinha chegado o meu tempo de gostar de fado.
Hoje, ele já não frequenta essa sala, que
de resto já nem existe, desfez-se nas poeiras do tempo. A fotografia desse
momento captada num instantâneo da minha memória, expõe a sépia a sua figura
concentrada, de olhos fechados a ouvir o fado e a esboçar as palavras dos versos,
sem som, que já só existe nessa fotografia impressa em mim, que se esbate todos
os dias que passam e numa volta da clepsidra, cada vez mais ténue, se esfumará
também em pó.
Eu estou agora na bela aldeia de Ana de
Aviz rodeado de gente franca e convivial, no salão de festas, ouvindo alguns
dos fados que o meu pai cantarolava - muito mal diga-se -, uma terapia sua de
felicidade. E estou a gostar da sensação estranha de me encontrar num local que
imaginava improvável para mim, mas onde de repente, me sinto em casa, nessa
casa com uma sala onde o meu pai ouvia música e sonhava sonhos de velhice.
Os músicos e a fadista percorrem fados
conhecidos que toda a gente canta e que eu também já entendo. Os trinados das
guitarras são belos e tristes. A voz magoa, com a suave tristeza, que canta os
versos pungentes, que fez o molde da nossa alma: povo simples, melancólico,
saudoso de um passado inalcançável, porque o tempo, ao contrário do que diz a
canção, uma vez posto em andamento, nunca mais anda para trás.
A aldeia da Ana de Aviz, diz ela que as
outras não a ouvem, é a aldeia mais bonita deste país. E será, se concordarmos
todos que as aldeias do nosso país são todas as mais belas, porque é a nossa
terra mãe.
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