Nos jardins suspensos - imaginando-os suspensos
- que rodeavam a torre de Babel, estes na Babilónia, mas seguramente que os
houve em Babel, mas que também podiam ser numa cidade invisível de Calvino, ou
noutras utopias, ajardinavam estes, rodeando-a em todo o seu perímetro, a torre
alta o suficiente para alcançar o céu, e Deus, na sua moradia celestial, não
gostou ser dessa forma incomodado pelos homens e como castigo ordenou que
falassem muitas línguas, todas diferentes, uma algaraviada, para que se desentendessem,
presumidos que podiam chegar às esferas superiores e falar com Ele sem marcação
prévia e anunciada.
Se ainda hoje, os homens andam na miragem
de criarem uma língua única universal, desenganem-se, Deus continua atento e com
ou sem arranha-céus a poluírem a sua morada, não o vai permitir. Fique certo
que jamais os homens falarão uma só língua.
Diz-se que disseram que esses jardins,
belíssimos e únicos, foram construídos por botânicos e agrimensores regulados
pela arte da topiária, que se perde nos tempos, a arte de adornar os jardins.
Sebes e árvores podadas com método quase científico, ganhando formas
geométricas, esferas, pirâmides, e, as mais exuberantes, tomando formas de
animais. Eram tão esplendorosos que rivalizavam com a torre, na sua imponência
e obra de arte moldada pelas mãos dos homens.
A verdade, é que tudo desaparece, e parece
que dizia o pai do grande Borges, que não temos nenhuma recordação verdadeira
do nosso passado e do passado dos outros e das civilizações, já que as recordações
que temos são da última recordação que tivemos, e assim, todas as anteriores
versões se perderam da nossa memória, até se chegar à primeira, para sempre
extraviada de nós.
Passadas essas civilizações antigas,
cilindradas pelo tempo que sedimenta todas as poeiras, na Europa - não se
imagina essa intervenção artística na Amazónia (e dos orientes extremos ainda
menos notícias chegam), onde todas as
ervas nascem e crescem criando nessa arbitrariedade aparente, os seus desenhos
próprios e originais -, a topiária andou
de mãos dadas com a aristocracia e os padres, que coloriam os seus tratados
jardins palacianos e os mosteiros ricos, com exercícios de estilo dos seus
jardineiros, enquanto os outros, o povo que para aí anda, se contentava com os
esgotos a céu aberto a passarem nas suas casas insalubres e cheias de ervas
daninhas e bichos. Ainda não eram os tempos das obras públicas, para encher
olho e ganhar adeptos.
Na volta do tempo, chegados a épocas mais
próximas, esbateram-se de forma visível e descarada esses poderes, agora mais comedidos
e silenciosos, e para gáudio das populações, plantaram-se e esculpiram-se belos
jardins nas vilas e nas cidades, imitações em pequeno dos jardins de Versailles
e de outros grandes castelos e palácios.
Agora há jardins urbanos por todo o lado,
uns mais bem regados do que outros, e quanto ao lixo, quase todos deixam
bastante a desejar, não porque não sejam varridos, mas porque os seus
frequentadores têm um grande prazer em deitar toda a espécie de detritos para o
chão.
E nalguns casos, essa arte de esculpir as
árvores e os arbustos continua viva, e pode-se usufruir de pequenas joias da
topiaria contemporânea em vilas mais afastadas do burburinho das grandes
metrópoles, onde as pessoas são mais bem-educadas e gostam de preservar a
beleza e o asseio dos seus parques e jardins.
Em Figueiró dos Vinhos, um segredo bem
guardado de tranquilidade e ar fortificante e límpido, escondida nas serranias
do Pinhal Interior Norte (que já não se chama assim. Andam sempre a mudar o
nome das coisas) , o jardim, ponto central da Vila, é uma pequena obra de
filigrana topiária, na geometria quase perfeita das suas árvores e arbustos, na
harmonia geométrica das flores de tantas cores, nos caminhos desenhados a terra
batida e bem calcada, com bancos para que os visitantes se sentem e sonhem. É um
jardim com três patamares, onde no primeiro, o mais cimeiro, debruçando-se
avidamente espantado no beiral de pedra, se inebria de uma vista panorâmica, a quilómetros
de distâncias, distinguindo-se outros contrafortes da serranias mais imponentes.
Desse beiral não se vê Deus, mas se Ele
existe estará desenhado nos contornos dessas serras e desses verdes todos e
ofuscantes, que só terminam porque o céu ciumento pinta o que sobrou de cenário
de azuis, e quando quer mesmo ter as atenções todas para si, escolhe os azuis
mais raros e ricos, e aí, é que se pode mesmo ver o verdadeiro rosto de Deus.
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