A Biscaia é um golfo, nome de um mar com personalidade, que banha a Galiza, as Astúrias e o País Basco. Mar de histórias, de lendas, de canções, de lágrimas pelos seus náufragos, sendo assim um mar como todos os outros, que geram as mesmas emoções.
No cimo de um penhasco íntimo e meu, olhei
muitas vezes esse mar e deixei-me levar por sonhos. Não me imaginei marinheiro,
apesar de ser romântico e gostar do Corto Maltese. Imaginei-me alguém a olhar o
mar e sentir no rosto descoberto os salpicos salgados de uma certa melancolia
minha. Esta saudade que nos mantém cativos e doridos. Cárcere a céu aberto. O
mar tem esse efeito em nós, levar-nos com ele, sem necessidade de justificações
nem rumo definido.
Numa terra que conheço ainda melhor, não
longe de Lisboa, existe uma pequena localidade que se chama Biscaia. Não sei se
em honra desse mar a Norte. Fica no cimo de um penhasco, meia dúzia de casas,
um pequeno pinhal, e o manto habitual da flora autóctone meio selvagem que lhe
dá ainda encanto primordial. Do cimo desse penhasco podemos sentar-nos a ver o
mar, outro, com outro nome. Foi nesse local, preservado e recatado de pessoas
ruidosas, que fizemos muitos e prolongados piqueniques de família e de amigos.
Era o nosso lugar na terra de ninguém.
É, sem dúvida, um local com uma energia.
Os mares mudam de cor, não são sempre
bonançosos, nem sempre violentos, assim nós mudamos. Fiz e fizemos outras
viagens, reconheci e reconhecemos outros penhascos, deixei e deixámos de frequentar
esse lugar com uma personalidade tão forte. Mas não deixo de voltar a ele,
mesmo agora que estou a duzentos quilómetros de distância, embrenhado num novo
fascínio.
Na harmonia desse lugar por vezes ventoso e
agreste, os meus dois filhos, protegidos no útero acolhedor e quente, ouviram
os primeiros sons dos passaritos vários e os zumbidos das abelhas que
fertilizam a terra. Também, ao longe, mas com uma presença que se faz notar, o
chamamento sério e misterioso do mar. Um
coro de Noé a chamá-los à vida. E eles aceitaram esse enorme desafio e vieram
ver o novo mundo.
Foram momentos felizes e cheios.
Fiquei não sei porquê com um búzio, e agora
acredito e juro-vos que guardo nele essas melodias, e sempre que me sobe aos
olhos esse marejar nostálgico, ponho-o ao ouvido para me lembrar desses sons
longínquos no tempo e muito misturados. A seguir, mais calmo e adulto, volto a
encarar as coisas que estão para vir.
Um dia passarei o testemunho, que ainda não
o vi nem sei se tem algum nome ou nenhum, e espero que os meus filhos e os meus
netos cuidem um jardim das merendas, e se continuar a haver o pequeno bosque
irreal da aldeia da Biscaia, ou outras belas toponímias com o mesmo nome, que
eles façam fartos e prolongados piqueniques, celebrando o prazer das coisas despojadas
e com sabor.
É que o grande segredo das coisas complexas
e universais, não é um segredo nem é complexo. É só regar e esperar que o sol
se apresente. Essa é toda a filosofia do mundo.
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