Não penso nunca na morte e fico contente porque
o céu é azul. Consigo viver perfeitamente vadio porque fechei a clepsidra do
tempo, no sótão de onde vivo. Esqueci-me dela e ando por aí, a juntar pequenos
prazeres, para um dia, quando voltar a contar o tempo, poder ter a quantidade
suficiente para ser feliz e cheio, antes mesmo de ter de pensar na morte. Até
lá, pinto a manta, volteio, faço rimas que umas rimam e outras não, falo com as
pessoas, e leio livros, uns melhores do que outros, alguns, sublimes. Não deixo
nunca é de me admirar e nesses espantos que me caem no beiral dos olhos, e os
chamo para dentro de casa, convenço-me de que poderei ainda vir a escrever o
grande caderno das palavras belas, umas, que eu cá sei, mais minhas, porque são
as minhas palavras belas. Cada uma tem a sua identidade, tem um passado seu e
um carácter próprio. Umas são mais sociáveis, outras mais ariscas. Contarei a
sua história como eu as vejo e conheço e espero, que a partir daí comecem a ser
olhadas com outros olhos, porque o merecem, e algumas são bem humildes, outras
não gostam dos focos de luz intensa, outras há que são arrogantes, mas boas
palavras.
Até lá continuo a recolhê-las num canteiro virado
a Sul, para que fortaleçam raízes.
É por andar assim, ocupado com as coisas
das palavras, da felicidade e do amor que veste de lantejoulas os corpos em que
poisa, que eu não penso na morte, mas se vier a pensar nela ponho-lhe uma bola
vermelha no nariz, e dessa forma, ataviada e leve vamos fazer macacadas um ao
outro, até que um ganhe o jogo, e aí, deixarei de pensar nas palavras bonitas,
porque já as disse todas.
Há uma coisa que é certa: o céu não deixará
de ser azul e merecedor de ser contemplado.
Comentários
Enviar um comentário