Avançar para o conteúdo principal

FUGAS - ESCAPADELA , MAS VOLTAMOS, À SUIÇA







O meu imaginário, quando transborda - quase sempre - manifesta no receptáculo que habita (eu), quando vem ao pensamento a Suíça e outras coisas, o síndroma da perna inquieta. Mas para este caso - o que interessa - quando penso na Suíça, é que fico ligeiramente fora de mim, no bom sentido de estar fora.

Montanhas e dinheiro.

Montanhas carregadas, cheias, a transbordar de dinheiro. A guardarem-no, melhor dito. Sobre este último, não é necessário dar justificação, já que muitos o adoram. Das montanhas – vá -, quando se gosta, não é coisa explicável.

Com o dinheiro e as montanhas, vem um ror de associações: bancos, contas anónimas de gente séria, multinacionais mais poderosas do que Estados e continentes, relógios magníficos, canivetes múltiplos usos, vaquinhas simpáticas e leiteiras, chocolates. Quase todos motivos suficientes para se ir à Suíça, pelo que vou, de fim de semana, esperando regressar curado da inquietude do meu membro inferior.

Até chegar, tenho por ultrapassar a provação, castigo, tortura, do terminal “2” do aeroporto de Lisboa. Mais um processo no  caminho de purificação dos seres pela sublimação dos obstáculos que a vida coloca pela frente(a dizer isto sem saber ainda que após duas horas de atraso de espera no terminal, a juntar a uma e meia mais no avião, - paradinhos -, a ver o tráfego aéreo, e depois levantados e com voo já suficiente, quase, quase ao chegar, o senhor comandante nos dizer com uma voz colocada e tão bonita, que por dez minutos o aeroporto de Genebra não nos podia aceitar. Tinha de fechar portas, ou pistas, e iriamos para Lyon, há meia noite e meia de uma noite cerrada – cidade linda à luz do dia e para quem tem tempo para a visitar.

Sem poder recusar esse convite, uma boa e moderna camioneta com pelo menos vinte anos desse trajecto, transportou-nos finalmente para à Suíça: ao seu aeroporto, fechado, ás três e meia da manhã, ou noite, ou o que tenha sido.

Ir à Suíça, é para ver montanhas com neve ou então é meia viagem, pelo que estudei afincadamente e fiz projecções matemáticas simples sobre a época do ano com mais estatística de queda de neve. Todas indicam que entre janeiro e fevereiro a probabilidade é grande e fui. Não estava era a contar com os maus olhados que os senhores do mundo têm lançado ao normal decorrer das estações do ano e de seus climas. A neve era pouca, mais ainda assim havia vaquinhas e chocolate.

Escolhi o cantão francês, sempre se entende alguma coisa e pode-se interagir com os locais. Temos amigos a viverem na Suíça, o que não é nenhuma novidade para uns largos, mas largos milhares de conterrâneos. Emigra-se muito para a Suíça, deve ser pelo dinheiro, ou por sermos continuadamente maltratados na proveniência, e termos de sair. Não será com certeza pelas montanhas.

Havia pouca neve, foi uma alegria de ver, e tocar.

Eles, continuam organizados mas são simpáticos, parecem-se nas feições a portugueses. Será porque há lá muitos, e alguns mesmo parece que falam a nossa língua. Dá a sensação. Têm tudo de bom, que não temos aqui, em termos de sermos, menos o que têm de mau, que também deve ser muito mau, mas que não sabemos por não estarmos o tempo suficiente com eles para percebermos.

No geral o clima até se aguenta melhor, é menos húmido. Só o dinheiro – o preço das coisas – lá está, é que é proibitivo. Mas lá está (repita-se, não é de mais), sendo muitas montanhas com tesouros inumeráveis dentro de elas, é natural que o dinheiro seja caro.

Gostámos da estância de neve e sky que visitámos (todas as paragens do teleférico eram servidas por um proficiente funcionário português genuinamente beirão ou transmontano - desconhecíamos, mas ficámos a saber, que os beirões e os transmontanos são exímios e naturais esquiadores talentosos, e por isso mesmo ocupam na Suíça essas funções de controladores de tráfego da neve, independentemente das proeminências das suas barrigas, que lhes altera o ponto de estabilidade da gravidade.

O vinho quente é simpático, mas cá para nós, não vale nada; a raclette é boa, mas o queijo da serra barrado no pão sem aquecimentos, bate-a aos pontos; têm umas piscinas de águas geotermais, quentinhas de trinta graus - só a cabeça a tiritar, a levar com a neve - mas uma panorâmica de vistas de montanha linda, e muitos casais, imersos os seus corpos nas piscinas, presumivelmente suíços, porque os portugueses são tímidos, agarradinhos uns aos outros, sem razão para tanta proximidade e tanto movimento rítmico sincronizado, já que as piscinas não têm correntes, são de águas paradas.

Apesar de termos estado pouco tempo, como somos observadores, tentámos, mas não vimos uma única porta de entrada, mesmo que camuflada, para os túneis que dizem haver, montanhas adentro, abarrotados de lingotes, criptomoedas, e notas de todas proveniências.

Ou aqueles cenários bucólicos são para o engano – o belo a esconder o odioso - ou afinal é tudo virtual: o dinheiro não está lá guardado fisicamente, e os portugueses não são assim tão bons esquiadores, apesar de o presumirem.

Quanto ao aeroporto de lisboa, ficámos plenamente convencidos que não há pressa: façam bem as contas de quanto é para cada um, e com segurança, que se avance para uma solução ponderada.






Comentários

Mensagens populares deste blogue

AI DO QUE GOSTEI E DO QUE GOSTO

  Gostei da alcofa pousada na marquise onde entrava o sol com abundância e a minha avó costurava. Gostei do colo da minha avó.   Gostei que me afagasse os lençóis ao deitar.   Gostei de alguns tons escuros, os das noites, outros não.   Gostei do silêncio da noite, gostei em geral dos silêncios. Gostei de ouvir num radio a pilhas músicas que me fizeram sonhar sonhos bons. Gostei do cão Tôto, de caça, onde cavalguei no pátio, a imaginar-me cavaleiro. Gostei daquela casa onde só me lembro do parapeito da janela, onde presumo que aos fins de dia eu e a minha avó víamos as pessoas a passar na rua e nós, abeirados do beiral as cumprimentávamos. Gostei de odores que já não identifico. Gostei da tia Rosa, mulher ainda mais pobre que nós a quem dávamos de comer e ela, em troca, me dava todo o seu amor porque nunca teve ninguém seu. Era eu. Gostei do carro de bombeiros que o meu avô me ofereceu. Tinha uma sirene. Era único. Gostei do primeiro livro de quadradinhos, contava

BERLINDES

Eram berlindes e guelas, os primeiros mais pequenos, os outros, mais vistosos, abafavam os berlindes. Eram de vidro cheios de cor, muitas, com padrões que davam ao girar a sensação de movimento encantatório. Compravam-se nas papelarias de bairro, pequenas superfícies habitualmente familiares que vendiam de tudo de uma forma absolutamente eficaz e personalizada. Estabelecimentos, não superfícies, designações de um presente deselegante, um nome que soa estranho e é frio. Os proprietários e os empregados sabiam os nossos nomes. Podíamos levar e pagar depois, numa contabilidade honesta que se fazia no livro dos devedores, preenchido a lápis de carvão. Este calhamaço era uma história do negócio, onde se desfiavam listas de nomes e produtos e datas. Raramente era usado para lembrar os atrasos: ninguém queria estragar relações de boa vizinhança, num tempo em que a honra e a honestidade eram valores não transacionáveis. Uns buracos no chão com uma distância entre si, medi

COPOS E GAJAS BOAS, DE PREFERÊNCIA

De manhã se começa o dia, dizia a minha querida avó, mulher avisada, que vestia de preto, tinha um buço pronunciado e gostava da pinga às escondidas. Como quem sai aos seus, aos seus sai, já enfiei dois medronhos, para dar energia a enfrentar o dia que dá trabalho, e até chegar ao fim, é uma peregrinação quase religiosa ao botequim do chico. Pelo menos tenho fé em ir lá, é uma espécie de purificação do meu interior. Agora só bebo sininhos, estou em dieta alcoólica, só pequenas quantidades (de cada vez claro). Não se pode dizer que saia caro. Cada sininho são 30 cêntimos. Um copo de três, cinquenta cêntimos. Apesar de alguém desavisado poder estar em desacordo (está longe, não vê, está mal informado), sou uma pessoa poupada: só bebo um de cada vez. Se descontar de todos os que bebo, as ofertas, os brindes às efemérides de cada parceiro que frequenta o botequim, e os que o Chico se esquece de cobrar, gasto realmente muito pouco. Sou portanto no Sul, um dos homens mai

CAVALO-MARINHO

  Na distância do tempo que leva a vida a passar, as imagens mais antigas confundem-se, fundem-se mesmo, é difícil apurar certezas. Vejo-me a olhar fascinado e miúdo, a primeira vez, um cavalo-marinho. Ressequido, mas conservado, pousado na palma da minha mão. Se na altura conhecesse uma palavra mais pomposa do que renda, diria filigrana. Aconteceu quando estava de visita a uma casa liliputiana, de tios meus. A meu ver uma casa cheia de misteriosos e pequenos tesouros, que ia descobrindo na curiosidade de criança, abrindo gavetas e mexendo em prateleiras. Uma casa que tinha um olho de vidro da vista direita da minha tia, pousado no fundo de um copo cheio de água na mesa de cabeceira, a olhar para mim com um olhar espantado, esgazeado, e eu a olhar para ele, a princípio receoso,  depois a querer saber o que havia por trás de um olho, já que os vemos sempre colocados nas órbitras dos usufrutuários e não sabemos o que está por trás. Este olho de vidro é a prova óbvia que a minha tia ficou

DO AMOR INCONDICIONAL - 1-DO PODER

Nesta pluralidade que é a natureza, nesta obra dos acasos ou de causas superiores insondáveis, há seres cuja beleza cativa o mundo. A beleza é o argumento mais forte do poder. Dança à sua volta, danças do ventre, sensuais, húmidas, viciantes. Sabe rodeá-lo e tecer a sua teia invisível mas inquebrável, ata-o de mãos e pés, imobiliza, inteiramente hipnotizado. Perante a força irracional que irrompe de uma obra sinfónica, para pôr um exemplo de beleza superior, o homem baixa as defesas, entrega a sua sorte no embalo da música, extasiando-se é levado por essa torrente de emoções. Os efeitos dessa mistura explosiva, do casamento da beleza com o poder leva os seres a atitudes que não se alcança imaginar, coisas fora da lógica. Práticas do bem e o mal, sem noção, do bem e do mal, coisa subjectiva que leva por vezes a equilíbrios no fio da navalha. O aparecimento fugaz de um tigre listrado, meio visto, meio escondido no restolho dos arbustos, hipnotiza quem o vê e olha,