A rena-chefe andava apoquentadíssima com o desleixo do Pai
Natal. Incompetência. Não o podendo dizer com essa palavra, porque aos chefes
não se lhes pode dizer isso - só pensar, e que seja de boca fechada. O chefe
mesmo sendo-o em todo o seu esplendor, nunca o é, incompetente. Os gnomos
também não andavam nada bem, mas esses sempre foram assim: folgazões,
apreciados pela sua chalaça constante e a alegria que imanam, mas muito
preguiçosos. Esparramados mesmo.
A praticamente três semanas do grande dia em que todos os
humanos, incluindo os que têm deficiências de mobilidade, doenças crónicas,
doenças terminais, acidentes gravíssimos de toda a espécie e feitio, os
paupérrimos, indigentes, sem-abrigo, criminosos, os bonzinhos, remediados,
muito bem remediados, os ricos, os alegres, os melancólicos, todos os crentes incluindo
judeus, budistas, muçulmanos, cristãos, cristãos coptas, adventistas, testemunhas
de Jeová, mórmones, amish, e restantes religiões ( não se considere desprimor não nomear o nome
mas a rena não os sabe todos) e todos os agnósticos e ateus, incluídos ou não
nas categorias anteriores, anelam por essa quadra de grande paz e harmonia e
amor, a extravasar das taças de espumante, e as filhoses e o bacalhau e o raio
das comidas que nos outros sítios do mundo as pessoas comem nesses dias, que
não têm gosto nenhum e ainda bem porque se todos comessem bacalhau já não havia
para nós.
Anelam e almejam, que é mais ainda do que a primeira. Nesses dias
baixa o amor à terra, cometem-se muito menos arbitrariedades, as pessoas estão
mais piedosas, chacina-se muito menos, e quando se chacina usam-se métodos
menos dolorosos, os chacinadores ficam mais frouxos. Mesmo o roubar de bens e
dinheiro, em pequena ou em larga escala, faz-se mais diplomaticamente. Os de
colarinho com goma fazem-no da mesma maneira que todos os outros dias do ano -
geralmente não se dá conta - e portanto não contam para ilustrar este belo
conto, são sempre iguais.
O mundo fica todo dado ao amor, que chega ao ponto de se votar
um voto de rejúbilo ao Natal, nos parlamentos dos países democráticos. Depois disso,
os deputados vão todos almoçar e são muito amigos (durante o resto do ano
também). Nos países que não são democráticos, e não são muitos, os ditadores
declaram que todos os súbditos estão obrigados a amarem-se uns aos outros, e
podem também ir almoçar, menos os presos políticos, a escória de qualquer
sociedade (não merecem portanto almoçar).
Sendo este o ambiente colectivo à escala planetária, é normal
que as pessoas também vejam realizados os seus sonhos de presentes, já que os
mereceram e pediram em sonhos, ou em introspeção intima.
E o Pai Natal, este ano, ainda nem sequer dividiu as
encomendas por região e muito menos por apartado. A rena está preocupadíssima
porque já antevê que vai ser le bordel
(como dizem alguns franceses). O ano passado já foi assim: não programaram o GPS,
andaram para trás e para a frente, aos saltos pelos continentes, com o Pai Natal
e os gnomos a atirarem aleatoriamente os presentes para as chaminés. Gerou-se o
caos e por mera sorte abafaram-se conflitos diplomáticos e outros de natureza mais
bélica.
Foi cristãos a
receberem burkas, muçulmanos a receberem presuntos, refugiados a receberem voucher de fim-de-semana na neve, o
Trump a receber um computador novo encriptado e ele não queria porque é um desbocado,
o da coreia a receber os planos de um míssil verdadeiro, dos que voam mesmo com
autonomia ilimitada, e ele que só quer brincar ao foguetório pífio. Enfim,
houve de tudo.
A continuar assim este ano, as coisas podem complicar-se para
o Pai Natal, porque começa a perder a credibilidade e se a perder a níveis
rasteiros, não lhe resta depois outra profissão que a de político esganiçado.
Digam lá (pergunta a rena para si própria), o que vai
acontecer se as vítimas dos incêndios em Portugal – e isto só para dar um ínfimo
exemplo, de um lugarejo perdido por aí -
em vez de receberem as ajudas que os seus compatriotas deram vai para
meses, a acamar nos cofrezinhos dos banquinhos, lhes dão árvores sintéticas com
luzinhas led? Não servem para nada e quando ardem, apesar de arderem bem e
depressa, não se podem depois vender. E a economia não prospera.
A rena, que já falou com as outras, tem um plano “B”. Se até
ao fim de semana, que é feriado, o Pai Natal não atinar, no dia da
distribuição, vão sedá-lo com medronho, prendê-lo com correias de couro de rena
às pernas da mesa que são de granito ártico, e vão substitui-lo pelo senhor
doutor Marques Mendes que nunca se engana, faz uns oráculos à distância muito
bons, e é maneirinho, contribuindo assim para a poupança de consumos do trenó,
e por consequência directa para a melhoria das alterações climáticas, um
assunto também aborrecido, mas que a culpa é dos que fumam charutos: os cigarros
também são bons e produzem menos fumo.
Espera-se que este ano, tudo se componha, e que seja um bom
Natal, e passe depressa.
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