Está praticamente vazio de viventes, o jardim onde uma mulher lê livros na hora de almoço. Também frequentado por outras pessoas com objectivos de vida legítimos - independentemente de não lerem livros a essa hora - e animais domésticos descomprometidos com a vida e os objectivos, sejam eles os que forem.
Quase, porque vão aparecendo pássaros, que descem das árvores
e vêm debicar o chão. Também cães, referenciados na zona, a cumprirem o passeio
higiénico, guiados quase todos por raparigas jovens apetitosas - que era
escusado e perigoso dizê-lo – filhas dos donos dos animais, obrigadas em
chantagens de semanadas e saídas noturnas, a passear os bichos a hora certa,
antes de irem para as faculdades ocupar o tempo, uma eternidade enfadonha, o
tempo que se perde nestes sítios. Antes que se passe ao parágrafo seguinte
diga-se que os pássaros, não cuidam de ser verão ou o que seja: debicam sempre
que podem em todas as condições atmosféricas.
Elas, as filhas dos donos dos cães, cumprem a obrigação,
concentradas no ecrã dos dispositivos móveis, e querem lá saber se o cão mija
num tronco de uma árvore ou na perna – a pedi-las – de alguém que
distraidamente se tenha sentado na esplanada completamente vazia num dia a
ameaçar inverno, mesmo que estejam vinte graus. Não interessa, é um dia a
ameaçar de inverno e assim sendo ninguém com juízo se senta numa esplanada: há
dias para tudo, o problema está em que algumas pessoas não cumprem as regras.
A mulher dos livros não apareceu, as crianças que brincam no parque infantil, indiferentes às convenções, não deram pela falta, os adultos
também não porque não foram ao jardim, num dia de quase inverno mesmo que
estejam perto de vinte graus. Não se frequentam jardins, a não ser
esporadicamente, ou por razão de força maior, como mijar para o tronco de uma
árvore porque se está numa aflição de não aguentar mais. Coisa feíssima e
deseducada, mas um imperativo para alguns.
Existe um estabelecimento de restauração, virado para o parque,
que agora está cheio. É tempo de as pessoas serem assíduas dos espaços
fechados, porque cumprem os protocolos da lei: inverno-dentro, verão-fora.
Dentro do estabelecimento, pode-se olhar para as árvores despidas do jardim, ou
distrair os olhos nas pessoas que se sentam nas mesas circundantes, e imaginar
coisas.
Na segunda mesa da direita falam-se negócios; naquela
esquinada, fuma-se e toma-se um vinho branco; nesta mais próxima, um casal de
uma mulher e um homem, olham-se em silêncio, e ela afaga com um carinho puro a
cara dele, que não disfarça o prazer que esse gesto lhe está a dar. Já não são
jovens, cronologicamente jovens, mas actuam no amor como dois adolescentes,
recém-chegados à descoberta das sensações que põem todo o corpo em pele da
galinha, um alvoroço de suspiros prolongados, sonhos flutuantes, a fazerem-se
caras patetas.
Hoje, não apareceu a mulher que lê livros, mas a presença
enamorada dos dois numa mesa de café urbana, compensou a sua falta e entreteve
os solitários, que não tendo nada mais que fazer, olham para os outros a
viverem as suas vidas.
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