Perde-se o ar de tanto, uma asfixia, a respiração suspensa, no
excesso de oxigénio, o que parece contraditório.
No cimo da serra o que
está a acontecer é espanto, deslumbramento, uma paisagem inimitável,
agreste. Como é a natureza, e como as pessoas ainda se admiram, todos os dias,
com as suas novidades e truques de mágicas inesgotáveis, a embeiçar os homens.
A serra é circunspecta, senhoril, não cede a amizades fáceis. É
profundamente bela, e isso é o que faz perder o folego e perdoar um aparente mau
feitio.
Estar ali, em estado admirador, com uma visão panorâmica a varrer
toda aquela lonjura, e o que se imagina de mais lonjura, tapada pelos recortes
das serras e da linhas das terras, a abraçar quilómetros: um privilégio.
Se deus não se tivesse reformado seria uma bênção, assim é laicamente uma alegria.
Não é um equívoco: a paisagem é bela, mas não é o que se pode
estar a imaginar da descrição feita. Não há cor, não há árvores, não há arbustos, flores,
variedade de animais, os domésticos, pastores. Há um cinzento de tom único. É uma
paisagem de como em esforço se visualiza um cenário lunar: cinzenta, nua, nem uma réstia de poeira a
ser levantada por vento. Majestático e decadente.
Um grupo reduzido de pessoas encontra-se no local, um
miradouro natural – tem um monóculo aumentador , de colocar moeda, que não
funciona, vandalizado. O grupo, restricto, está ali em trabalho, motivo sério. Não são pastores, ou apicultores,
ou tão só caminheiros. Nenhuns destes se reúne no cimo de uma serra por motivos
sérios.
É um grupo de pessoas com interesses.
Os jornalistas fizeram as perguntas pigmentadas da anemia
crónica habitual. Perguntas desistidas de serem perguntas já antes de serem
ridiculamente perguntadas. Os batedores, os motoristas, os assessores de
segunda linha, estão ali mas não estão, não vêem a hora de tirar os sapatos e
sentarem-se no sofá, a beber uma cerveja ou a rezingarem com as esposas. Os das direcções gerais, estão ali como
noutro sítio qualquer, não têm sentimentos, só ideias efabuladas sobre as
reformas futuras, reformados desde o primeiro dia de entrada ao serviço. Os
autarcas da cor ou de outra cor, estão para debicar os restos dos banquetes. Seres cheios de apetites insaciáveis.
O ministro olha para o relógio e lembra-se na agenda do dia, que ainda tem um
último compromisso importante. Um jantar de investidores imobiliários, num restaurante dos roteiros e estilo. Uma mesa recatada para não incomodar os outros comensais, que vão pagar muito e ainda conviverem com um ministro e assessores.
Lembrado dessa urgência, o ministro cansado e ligeiramente indisposto por estar ali,distribui -
agora apressadamente -pêsames entredentes à meia dúzia de crédulos encartados que
o acompanham, sorri para uma derradeira fotografia, e faz sinal ao
motorista para o resgatar para a realidade, a sua.
Se tivessem arranjado o monóculo a tempo, teriam visto as
cinzas com mais pormenor.
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