Insultei-me apropriadamente com vernáculo feio,
cheguei a gritar e a partir alguns tarecos da minha colecção pessoal dos
objectos da família, alguns absolutamente inúteis que se guardam sem nenhuma
lógica, só porque são uma recordação com valor sentimental, uma herança, um
legado, uma passagem de testemunho, o que seja. um remendo para as nossas
nostalgias, como o preenchimento com massa dos buracos da parede quando se
tiram os quadros e se quer restituir uma virgindade de branco para tranquilizar
os inquilinos que nos vêm substituir, convencendo-os da excelente aquisição que
acabam de fazer, ou seja, mentiras piedosas para nos sossegarem a consciência.
Fartei-me como que a fazer uma declaração de princípio, afinal
mais uma declaração de final. Uma justificação vital da minha vida, passada
grande parte dela em cenários em que todos me enganam oferecendo falaciosas
liberdades, “agora é que isto vai ser bom”, todos a decidirem o caminho de
todos, em igualdade, em fraternidade. Mentiras escandalosas e nós a vermos
isso, mesmo espetado na nossa cara, palermas, sem reacção (com dois “c” e tudo
para chocar ainda mais).
Afinal o que sempre quiseram foi hipnotizar a minha vontade, pôr-me
frouxo: submisso com a chave de um mercedes na mão a pagar em dez anos. E aos outros também, tudo normalizado pelo
consumo, para eles seguirem em frente com os seus negócios prósperos, de
malabaristas exímios.
Fartei-me deles e reenvio-os à fava, à precisa origem da
mesma, o que eles não sabem é que vão à horta -coisa quase inexistente e
longínqua - e que se apressem que a fava vem antes da ervilha, e se não estão a
perceber nada, vão ver a história desta “expressão”. São tão espertos para umas
coisas, e parcos para as coisas do intelecto. Fogem da cultura com medo de se
engasgarem num livro, numa pintura, e ficarem a debitar gaguejos.
Fartei-me deles e nunca mais vou votar, porque a democracia
não pode ser o voto num catita que se desconhece, que dá meia dúzia de
palpites, que aprendeu meia dúzia de truques de magia verbal, e depois não faz mais
nada senão debitar isso – repetição contínua - e constrói uma narrativa sobre o
nada de isso, e convence todos, e ganha a vida com trocadilhos.
O desgraçado do democrata atento e votante fica a chuchar no
dedo, cheio de ansiedade para que acabem depressa os quatro ou os cinco anos, arrependido
do voto, mas volta de novo a cair na mesma asneira.
Não senhor, a democracia é a discussão de ideias na praça
pública, a intervenção cívica organizada, a participação com ideias na coisa
pública, e se isso não for possível a um cidadão comum, bom pai, e sem
interesses futebolísticos, mas apreciador de ameijoas genuínas à Bolhão Pato, então
opto por declarar que me fartei. E enquanto
eles vão à fava, que não a distinguem de um pepino, fico com as folgas todas e
declaro, até que eles se apercebam do meu embuste, a autonomia. E não quero
saber das Constituições, que são eles que as escrevem com letras de advogado.
Fartei-me, vou deixar de pagar a electricidade, vou fazer uma “puxada”,
do poste da rua, e o bandido sou eu! A água é um escândalo, quase ao preço de uma “box”
de bom vinho, vou tomar banho no Espelho de àgua! O gás, os canais eróticos da internet, a padaria portuguesa (com “p”
pequeno como eles são), tudo às urtigas!
FARTEI-ME, bye-bye.
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