O meu
vizinho navega em ideias e é um homem expedito.
Tudo começou
quando um dia ele veio bater, porta a porta, disponibilizando as suas
economias, caso tivéssemos alguma aflição: “logo pagaríamos, vizinhos são para
as ocasiões, afinal estamos todos no mesmo prédio, prontos a estender uma mão
amiga”.
Alguns,
aflitos para poderem continuar a usufruir das casas dos segredos e das
passarelas vermelhas, e dos quatrocentos
e vinte e cinco canais - todos bons - alinharam logo.
O vizinho de
cima, que andava com problemas para pagar a mensalidade de um sistema de saúde
simpático a que tinha aderido - por não ter médico de família - bateu-lhe à
porta a pedir conselho, e ele, prontamente, e por ser homem de muitos
contactos, encaminhou-o para uns amigos que lhe iam tratar convenientemente da
saúde.
O do rés do
chão direito, há trinta e três anos que não ia de férias. Tinha um sonho por
realizar. “Não há problema, tenho uma pequena sociedade barata, em parceria com
rapazes das obras, e dispomos de uma meia dúzia de bons apartamentos – quase
mesmo hotéis – para onde o estimado vizinho vai de férias, agora mesmo, e logo
se verá”.
O da cave –
de aspecto sempre miserável, mas são os que mais enganam – perguntou-lhe se ele
conhecia alguém na áfrica, que tinha lá família, e se podia enviar algumas
patacas.
O vizinho empreendedor respondeu que não só as
enviava, como ainda haviam de chegar em maior quantidade do que as que tinham
sido enviadas: aquele truque da multiplicação do dinheiro.
Com todo
este relambório, eu que sou de poucas confianças e não me lembro de um almoço
grátis, animei-me e fui bater-lhe à porta.
- Como está senhor Insosso? Disse quase a
medo.
- Olha o meu amigo Robalo, prezo em vê-lo!
(esta do prazer não me soou !)
- Vinha pedir conselho.
- Amigo Robalo, estou no mundo para ajudar! Em
que posso ser útil?
- Gostava que o meu filho fosse para a
Universidade, mas não tenho capital para
as propinas.
- Não pense mais nisso homem! O miúdo quer
estudar o quê?
- Era computadores.
- Está
bem. Vai estudar sistemas de segurança informática, e se for bom, logo se lhe arranja um canto numa pequena
empresa de uns conhecidos.
- Deus o abençoe, senhor Insonso!
- Homessa! Venha daí um abraço.
....
Na verdade vivemos
todos anos de grande felicidade neste prédio, até ao dia em que a vizinha
zarolha do 2º esquerdo, que apesar de zarolha, tinha um posto permanente de
observação e controlo à janela da sua sala de estar, veio avisar-nos de que o
Sr. Insonso andava a carregar a carrinha Ford Transit com os seus pertences.
Ficámos à
coca, mas expectantes.
Passou-se
algum tempo e nunca mais vimos o vizinho empreendedor (dos familiares já
sabíamos que estavam para os lados de Álcacer onde têm umas hortas).
Ontem porém,
tudo nas suas casas a jantar, e eis que o secretário da junta – rapaz que
apreciamos muito pela educação e bom trato (eu não me queixo , sempre que nos
cruzámos no café ele cedeu-me a sua chávena) – informa-nos que estamos todos
convidados, em nome da boa vizinhança a
pagar em prestações suaves, as dívidas contraídas pelo nosso mecenas, que teve
que se ausentar temporiamente por uma indisposição incómoda, mas há de voltar.
Afinal os
vizinhos são para as ocasiões! Venha o bem, venha o mal, se o vizinho nos deu a
mão, porque havemos agora de recusar um dedo? Mindinho que seja!
O que vale é
que a malta do prédio está muito organizada. Já no caso do senhor Santos,
fizemos senhas para vender na quermesse, e ajuda-lo a sair dos apuros ingénuos
em que se pôs de emprestar dinheiro a toda a gente com dez por cento de juros
garantidos. À cabeça!
Terminamos
agora uma reunião de condóminos, e
concordámos em dar cinquenta por cento dos nossos salários para ajudar o
Insonso e também para que o presidente da junta garanta mais um mandato, ou
dois ou três: os que lhe faltem
Vamos deixar
de ver programas de entretenimento televisivo; clínicas de luxo para tratar
maleitas comezinhas como a cancaro, tcháu; férias de pernocas ao léu, façam-nas
nas varandas; dinheiros para a família em áfrica, eles que plantem mandioca; e
o meu filho na universidade, com trabalho garantido para o senhor Insonso, a
defender os seus segredos informáticos, com contrato temporário a seiscentos
euros por mês mais impostos, que se
dedique à pesca - o meu filho - coitado que é vegetariano!
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