Caro Miguel Esteves Cardoso (deveria antepor “Doutor”?),
Permita-me esta convivialidade do “caro”. O Senhor (quiçá
“Doutor”), é um símbolo da minha
geração. Visionário, inovador, empreendedor de ideias nunca antes pensadas,
andava eu e quase toda a minha geração a tentar ver-se livre dos cueiros com pó
de talco – já o Senhor irrompia (estrela
ofuscante), na arte das palavras em tudo quanto era sítio: nos jornais,nas
radios,nas editoras discográficas, nas televisões, o que mais houvesse!
Deus, a existir, distribui os talentos à sua maneira.
Para uns, poucos ou nenhuns, para alguns, um que outro, para o Senhor ( é
doutor!?) logo agraciado com uma série
deles.
Alimentei-me em si nesses anos loucos, cresci porque me
deu de beber o precioso néctar da sua clarividência, e continuo nesta
existência difícil, empedernido e fidelíssimo, na espectativa diária das suas
crónicas e dos seus livros de grande e merecido sucesso.
Não lhe terem dado ainda um prémio dos bons, é injusto,
já que o Olimpo tem um pedestal para si, ainda não ocupado, pela falta do tal
prémio da agremiação.
Nesta ansia diária de absorver a sua sapiência, digeri a
sua crónica de hoje no jornal “Público” com o título: “Escolher Israel”.
Confesso que me custou, o que eventualmente tem desculpa
por a minha “iluminação” não ir além da ténue luz de uma vela.
Li, sublinhei com lápis , reli, mas não sei se percebi as
suas doutas palavras, e aquela coisa estilística – cujo nome técnico desconheço
– de embrulhar uma ou duas (palavras), e repeti-las com volteios, numa poesia
de mago hipnótico (ou tômbola de feira).
Ando ultimamente tão habituado às suas excelsas
experiências com as bolas de berlim, os cozidos à portuguesa, o pão do zé e o
do antónio, na companhia da sua Maria João ( que da forma que a nomeia, parece
ser também nossa conhecida), que fiquei desconcertado com este seu texto, sem dúvida, e uma vez
mais, uma influência ideológica irrepreensível para as pessoas da minha
geração.
Vamos então ao
texto – e desculpe-me, mas quando entender, corrija-me, dê-me luz,
ensine-me, vocé que é (não me canso) o grande pedagogo de uma certa Lisboa dos
anos noventa.
Para comodidade vou enumerar excertos e pedir o seu
sapientíssimo esclarecimento, e se depois da sua resposta, ainda tiver dúvidas,
peço-lhe desde já autorização, para insistir no que ficou por entender. Tudo
isto, claro, se os seus trabalhos de explorador de fenómenos insólitos no
concelho de Sintra – qual formiguinha laboriosa - lhe derem folga para uma
resposta:
1.”Israel está cada
vez mais sozinha. É fisicamente atacada pelo Hamas mas é internacionalmente
atacada por defender-se. Sim, os foguetes israelitas são mais poderosos e
mortíferos do que os do Hamas. Mas se fosse ao contrário acham que o Hamas não
usaria os foguetes mais assassinos para atacar Israel?”
Sem dúvida, mas como não é assim, o que temos a dizer da
desproporcionalidade dos mortos e feridos? E das crianças? O facto do Hamas não
ter a qualidade assassina dos mísseis de Israel, desculpa a qualidade mortífera
e assassina dos mísseis de Israel? (há estas palavras e floreados que nos
enleiam, como se fosse uma dança do ventre!)
2.”Por cada cem
israelitas que querem um estado da Palestina quantos palestinianos (que também
podem ser palestinos) querem Israel ao lado da Palestina? Um. Só os mais
inteligentes e humanistas. Felizmente ainda são bastantes. Mas não são do Hamas.”
Mas afinal é só um, ou bastantes? São só os inteligentes
e humanistas? Não há de outras profissões? E pode-nos apresentar esse só um –
que são bastantes - que conhece?
3.Ӄ preciso
escolher Israel – tanto pela causa de Israel como pela nossa.”
Esta agora é que me desarma completamente! Diga-me lá,
amigo Esteves, doutor e mentor, qual é a nossa causa? Como é que ao escolher
Israel, eu resolvo a coisa miserável e aviltante que vivo no meu dia-a-dia,
quando acordo - e não em Almoçageme - e com cinquenta e quatro anos, ando a fazer figura de idiota a tentar
explicar aos meus filhos – que não têm
culpa nenhuma – que o mentecapto do pai não arranja trabalho para lhes garantir
uma vida digna? E a escolher, porque haveria de escolher solidariedade com um
povo que se acha a única tribo escolhida? Para isso, escolho os tibetanos, que
estão sempre a sorrir e são muito menos letais!
4. “O resto é
cobardia, aldrabice, desprezo e estupidez”.
Doutíssimo,
Excelentíssimo, “nec-ultra-plus-íssimo” Cardoso, quanta raiva nessas palavras!
É o meu amigo, ou foi – que o saiba – circuncisado? É que se o for, isso
explica o seu horror ao poder bélico dos palestinos, que andam a matar judeus
que nem tordos. A sua circuncisão desculpa tudo.
Cá aguardo notícias da sua terra, impacientemente, após
se ter banhado nas purificadoras e salinas águas da piscina da praia grande,
refeito e lúcido, como sempre.
Um abraço fraterno do seu fã número um.
*Carta a Miguel Esteves Cardoso
enviada ao Jornal Público, com pedido ao direito de resposta, sobre o
Artigo por ele publicado com o Título: "Escolher Israel"
Excelente resposta ao MECquezinho! Foram merecidas todas as palavras que escreveu, caro Luis Robalo.
ResponderEliminarNão conhecia o seu blogue. dei uma vista de olhos e vou cá voltar com calma pois estimo que merece ser lido,