É em dias saturados a cinzento, que me falta o céu azul.
Para o voltar a ver, fecho os olhos. Sonho,
e é então que tudo se aquieta na minha persistente inquietação, e consigo,
descansado, enlear algumas palavras, um jogo de sombras e luz, o preto impresso
no branco, que vou desenhando todos os dias nas folhas de papel macio e quente dos
cadernos, os mesmos há anos, escolhidos em viagens e deambulações em lojas
improváveis, ou comprados quanto tenho o chapéu pousado no bengaleiro, e fico, no
mesmo local de sempre, numa certa pequena rua de Lisboa.
São as poesias que dedico ao céu. Preencho os cadernos,
todas as folhas, todas as linhas, e guardo-os, em fila, numa prateleira no meu
quarto. Quando estou deitado, à noite somando e subtraindo sobre o dia que
passou, ou de manhã acordando na expectativa triunfal de que estou a acordar
para o melhor dia da minha vida, ponho os olhos neles, quase todos pretos e
discretos, e vendo-os ocupar mais espaço na prateleira, sensibiliza-me. Está
ali o meu tesouro. Se um dia a casa for devassada ninguém descobrirá o meu
tesouro, ninguém se interessa por cadernos pretos velhos e com a cor da capa esbatida,
comida pela exposição à luz ainda que crepuscular do meu quatro que é uma casa
toda.
Sem o azul, ou o vermelho, ou o amarelo, ou o verde, ou
todas as misturas que elas fazem, que as projecto às escuras, organizando
grandes sessões privadas de cinema de autor, seria incapaz de escrever poesias,
ficaria incompleto, a faltar-me qualquer coisa fundamental, como a água, o ar, os
beijos que imagino dar a quem os queria dar, mas que não dou, nem lhes faço
saber isso, por timidez.
Não se pense que menosprezo o cinzento e as suas gradações. Pelo
contrário: está em destaque no meu panteão de cores preferidas, só que, o céu
para ser céu e verdadeiro e honesto e como ele é,vejo-o azul.
Para terminar sendo honesto, eu verdadeiramente não escrevo
poesias, não o sei fazer, é muito difícil encarreirar com jeito essas palavras.
Engano-me, escrevendo pequenas frases e na sua sonoridade de quando as leio em
voz alta falando para mim, quando acho que quase as poderia cantar, que soariam
bem, considero-as poesias, nomeio-as eu assim, e todo contente vou assobiar
para a janela, podendo vir a cumprimentar efusivamente o meu amigo melro que me
visita todos os fins de dia. Eu cheio de vaidades por me considerar quase um
poeta, ele como melro e no seu orgulho de espécie, com o peito inchado a
fazer-se ave de outros portes.
Respeitamo-nos muito os dois: o melro e eu.
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