Era uma Honda Amigo. Amarela. Motociclo com
pedais a motor. Eu queria uma moto a sério, como as dos meus amigos. Quem tinha
moto tinha estilo e namoradas, numa relação de partilha do banco, elas
agarradas a nós, nós os seus heróis, até que todos crescemos, fomos às nossas
coisas, deixámos de acreditar que podíamos continuar a ser heróis, tínhamos que
ganhar a vida. Dávamos passeios infindáveis, polvilhados de prazer pela
marginal da linha de Cascais.
A bem do meu prestígio, vi-me obrigado a tirar os pedais, pintar a Honda
Amigo com uma cor decente, azul-escuro, e pôr-lhe um tubo de escape estridente,
na tentativa de fingir ter uma moto credível e desfrutar com elas esses
passeios intermináveis, para cá e para lá, à beira mar. Não me ocorreu que os
pedais no meu motociclo tinham uma razão de ser – ajudar o motor nas subidas –
e tive alguma dificuldade em explicar às poucas raparigas que se interessaram
pelo meu conjunto Luis-motoreta que se disponibilizaram a passear comigo,
quando, apeadas, tiveram que correr ao meu lado até que a moto voltasse a ganhar
impulso e, no alto da mais miserável e pálida subida, numa velocidade ridícula,
nos transportasse até à próxima dificuldade. Nunca se agarraram a mim com a
veemência que esperava, e o efeito Honda Amigo não foi benévolo com a minha
autoestima, para além de que apesar de ter pintado a bicicleta com um motor anémico,
com uma cor séria, não pintei o capacete que também era amarelo ( o meu pai
tinha uma fixação bizarra por essa cor), muito pouco atraente para as raparigas
acabadas de chegar das colónias africanas, fartinhas de andar de mota, das
potentes, como devem ser, elas mesmas a conduzi-las, sem necessidade nem
vontade de se agarrarem a ninguém, as motas e elas, e nós, provincianos da
metrópole do império desfeito em nadas, balbuciando conversas que não
conseguíamos desenvolver, gaguejantes, e não eramos convincentes porque na
verdade não tínhamos nada de interessante para lhes dizer, porque elas eram
lindas, bronzeadas, arrojadas no vestir , ensinando partes do corpo que nem sabíamos
existir assim tão belas e triunfais e não tinham interesse nenhum nos arremedos
babados que ensaiávamos.
Ainda assim, como ter uma Honda Amigo era melhor do que andar de carro eléctrico,
e assistir a aulas estéreis de assuntos absolutamente desinteressantes para a
minha vida futura (sonhava vir a ser funcionário público), excedi-me em faltas
no sexto ano e dediquei-me a conhecer Cascais, Sintra, o Barreiro, perdendo a
oportunidade de ser um filho exemplar, mas a minha avó não desistiu de me amar incondicionalmente
e isso era suficiente e cheio, e continua a ser.
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