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O TIO NADADOR

 


O meu tio, sempre que se aproximava de uma extensão de água maior do que uma poça, atirava-se a nadar. Aprendeu sozinho. No cais onde amaravam os hidroaviões da PAN AM, nos idos anos quarenta do século passado, mar da palha, que tem esse nome dizem os antigos por ser um mar raso e nos dias de sol intenso reflectir os seus raios dando a sensação de ser um mar da cor da palha. O tio aprendeu a nadar por erro e tentativa, no Beato. Teve sorte, a água que engoliu em vez do ar, não o asfixiou e ele, que era esperto e pensava bem, analisou racionalmente os erros, emendou os movimentos, a ponderação sem pânicos da respiração adequada, a flutuabilidade do corpo, que só se consegue com desprendimento, e, sem desistir, um dia deu-se conta que estava a nadar perfeitamente como se fosse um peixe sem barbatanas. Sem equívocos nem enganos. Como nunca fumou, nadava muito e tinha folego, tanto que se não fosse interrompido, nadava sem parar. Atravessou várias vezes esse rio, ou mar interior, até Alcochete. Quando chegava ao outro lado, bebia um pirolito, num estabelecimentos de refrigérios em frente à praia fluvial e voltava para trás. Chegou a nadar do Cais do Sodré até Oeiras, participando em provas que nessa época eram muito populares.

Na lista de personagens que participam na dramaturgia no palco em que representamos, fica como um homem doce, bom amigo e o professor de natação da família. Ensinou os sobrinhos, os filhos dos sobrinhos, os netos e bisnetos a nadar, nenhum atingiu os seus feitos, mas há bons nadadores na família. Era também um contador de histórias e sempre que tinha uma audiência atenta, contava o episódio de uma ida aos toiros com a sua tertúlia de aficionados, às largadas nas festas de Nossa Senhora do Rosário, na Moita. Saíram de Lisboa num varino, e iam cozinhar uma caldeirada a bordo. Já com alguma animação, do bota acima, bota abaixo, o arrais, homem abrutalhado e grande consumidor, distraidamente ou não, empurrou-o borda fora e não deram conta da sua falta, seguindo animados e o barco o seu rumo. O Tio, que não queria perder a festa nadou até à praia e foi participar na largada, correndo à frente dos bois, distraído, só dando conta que estava em trusses, quando percebeu que os espectadores riam e apontavam exuberantemente à sua passagem. A polícia dos costumes, não sem alguma dificuldade porque teve de desviar-se dos touros e ensaiar uma ou outra chicuelina, lá o deteve e passou os festejos no chilindró. Os guardas deram conta que era bom rapaz e convidaram-no para jogar as cartas a entreterem o tempo. Ficaram amigos. Foi devolvido a casa, nas mesmas condições da captura: em cuecas. Não sabemos se este episódio da vida do meu tio aconteceu ou foi ficcionado. Se foi, ele tinha jeito para contar histórias. Se aconteceu na realidade, é um bom episódio, dos que se deve contar toda a vida e nisto ele, em tendo oportunidade, fazia-o muito bem.

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