Em que momento foi? Quando foi?
Há memória disso? Quando deixaram de olhar para as meninas, como meninas, as da
escola da dona Celeste, boa pessoa, quando vinham para o pátio, era o seu
pátio, moravam no prédio, era deles, mas também era delas nos dias da semana,
quando havia escola, a filipinha, adiantada para a idade, a saber coisas do seu
corpo que as outras nem desconfiavam, e os rapazes, só pensavam na bola, dar
chutos na bola, desconfortáveis com as meninas, elas a brincarem ao elástico,
ao jogo do lenço, a fazerem coros e cantavam tão bem, e os rapazes a estragarem
tudo, gritavam, atiravam a bola para elas, a sentirem-se afoitos, uns heróis
aos olhos dos emperrados, os tímidos, há sempre destes, em todo o lado, elas a
não acharem piada, desconsideravam-nos, e bem, a Filipa que tinha a despontar
no seu corpo de menina, como as outras, uma transição, um fenómeno brusco, a
nascerem e crescerem duas colinas de contornos cada vez mais evidentes,
desenhados sobressaindo na camisa branca, e ela de propósito a deixar dois botões
descasados, a pele suave, a antever-se ver-se, cor deliciosa da pele, e as
linhas e o volume desses montinhos, a deixar de ser menina. Quando foi que isto
aconteceu? Olhar para a Filipa e com vergonha para o convite da camisa
desfraldada, inevitável, olhos colados, e desabar uma clarividência? Despertar
do desejo. Foi agora, há pouco e as outras meninas acabaram por perceber e os rapazes
deixaram de atirar-lhes a bola, e tudo mudou, foi bom e primordial na mesma, o
adeus da ingenuidade.
Comentários
Enviar um comentário