Não somos conhecedores de tudo o que se passa
debaixo de água, ainda menos quando nos dedicamos às tarefas do dia-a-dia, que
salvo sejamos escafandristas, as executamos à superfície. Por isso podemos
palpitar sobre a vida nas profundezas, no desconhecido, nada mais. Há quem
sonhe frequentemente, quem é dado a sonhar frequentemente, com sereias e outros
seres extraordinários, habitantes como os peixes e outros dos mares, mas lá
está, também não sabemos se existem. Dizem-se em histórias e no passar de boca
em boca, quando a isso calham, que em noites de lua cheia estes seres de uma
feminilidade incontornável, encantam e hipnotizam os belos efebos que se
aproximam das águas, por estes serem sensíveis e poéticos ou porque estando
tristes, a companhia das ondas sincopadas, embala os sonhos e afasta-os das
angústias da vida. É nesses momentos, em que baixam a guarda, que são
sequestrados por elas, que os arrastam para as profundezas incógnitas, não se vindo
a saber o que acontece depois. Não voltam para contar.
Navegamos por um desses mares, num dia
despreocupado, ao acaso, dos dias de férias que são assim. Enquanto desfrutamos
a vista, vem-nos ao pensamento estes assuntos, tão sérios como outros
quaisquer, onde é possível existirem seres fantásticos, num canal de mar, onde
a terra é estreita. De um lado, a margem recortada por casas brancas e térreas
com platibandas coloridas, geralmente de azul, em relevos estilizados de
motivos florais ou geométricos. Casas de pescadores, agora de estranhos às
pulsões do lugar, Tudo parado, o tempo, como uma imagem a passar em câmara
lenta, projectada num ecrã de grandes dimensões. Na outra margem, um pântano,
marismas salpicadas de apanhadores de bivalves, ocupação dura e incómoda para o
corpo. Todo o santo dia agora mais ateu, desde que Deus morreu, meio afundados
nos lodos pretos, em posições não naturais que lhes dará cabo do corpo, um dia.
A terra é breu, lamacenta, pesada, movediça. As ervas que crescem, que só
regressam â vida quando as águas das marés sobem e as cobrem, são amarelentas,
pardas, queimadas por um sol intenso. Pássaros ocasionais ou em repouso de
longas viagens, saltitam e bicam alimento. Nada mais, só o silêncio dos seres
vivos que não se veem quebra ocasionalmente o silêncio de todo o cenário.
Olhamos veementemente para a proa do barco,
tentando concentrar o olhar na transparência das águas, esperançosos de ver um
desses seres maravilhosos –uma sereia - das nossas fantasias internas. Por vezes
o mistério das coisas aumenta as características que se imaginam delas, mas afinal,
nunca as poderemos descobrir nas águas sulcadas pelas proas dos nossos barcos.
Elas habitam os nossos mares interiores, revestem-se de várias camadas de pele
que lhes fazem o corpo: são invenções felizes, são reais, são memórias
oníricas.
Ao chegar, no fim da pequena viagem de circunvolução
a este pequeno mundo, a praia da Terra Estreita, é um vislumbre do paraíso.
Sabor doce das férias de verão.
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