Há
um homem que todos os dias janta sozinho. Acende duas velas na mesa e come
pausadamente como se estivesse a rezar. Talvez tenha um pequeno candeeiro
aceso, que não se vê, uma luz difusa, amarelenta, ilumina vagamente uma das
paredes da sua sala de jantar, onde se consegue perceber uma pintura com uma
moldura dourada, que parece ser uma paisagem e dá sinais de ser antiga.
É
um homem de meia-idade e pela forma dos seus gestos percebe-se que a rotina de
comer sozinho está instalada há muito na sua vida. Não parece ter muito prazer
na comida. Pode estar boa, não se sabe, e o homem ser pouco expressivo ou não
ser apreciador de comida. Come para continuar a viver, nada mais.
Há
momentos em que ele olha como se olhasse para alguém que não está agora ali,
mas que já ocupou o lugar vazio que se encontra à sua frente no outro lado da
mesa. Pela forma em que o faz não se consegue perceber se olha com saudade, ou
se simplesmente olha, mantendo uma conversa interior que nunca viremos a saber
qual foi.
Durante
o dia não se vê o homem, nunca aparece na janela, pode não estar em casa, ou
recolhido no seu interior.
Quando
termina o jantar, levanta-se e deixa a mesa ainda posta e as velas agora sem
companhia, ardem, sem nenhuma pressa de se apagarem. Ficam ali, a projectar
sombras indefinidas na parede mal iluminada.
Fazem
todas as noites, um pequeno espectáculo de luz e sombras e ninguém assiste a não
ser eu, do outro lado da rua no parapeito da minha janela, e talvez esse homem,
que fora do alcance da minha vista se foi sentar num cadeirão mais confortável
e pensa nas singularidades do universo.
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