O
gato é um ser muito acrobático. Acrobático e misterioso. Ligam-se muitas vezes
os gatos a coisas do além, sensitivas. Os gatos e as pessoas cultas são
inseparáveis como o chocolate e o vinho tinto. Os gatos são independentes, não
atendem ao chamamento, como os cães, e raramente lambem os donos. São
extremamente asseados. Os gatos passam longas temporadas do dia imóveis. Até
chegam a dar a sensação que estão desligados, que não estão cá.
Na
única visão que agora tenho do mundo, fora de mim, um gato habita no segundo
andar presumo que esquerdo (nunca fui bom a adivinhar o lado certo dos andares
dos prédios) do edifício em frente no qual me debruço todos os dias, desde a
minha janela, já que não tenho opções diferentes, senão continuar com todo o
meu empenho a explorar o conhecimento desse prédio, através da minha paciente
observação diária.
Este
gato em particular, listrado em amarelo e branco, passa horas esquecidas,
fazendo de esfinge egípcia, não se sabe se a dormir se num processo meditativo
profundo, no estreito parapeito da sua janela, aberta, o que me causa
preocupações.
Ele
está habituado, eu é que sou desassossegado e absorvo para mim medos alheios.
De todos os moradores desse prédio, parece-me ser o mais feliz. Não tem as
preocupações dos humanos, e isso, parecendo que não, tira-lhes anos de vida.
Se
o gato pudesse e soubesse que todos os dias, nos momentos do claro-escuro do
final do dia, um melro altivo pousa no beiral mesmo por cima da sua janela,
tentaria uma caçada. Ou então, ia-se sentar ao lado deste e muito
tranquilamente teriam uma civilizada conversa sobre os estranhos andamentos do mundo e a tristeza dos homens que perderam a liberdade.
Tudo
é possível.
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