O Arménio
só tira pastéis em dias alternados.
É uma crença sua. Na chaputa e
na faneca não toca. A meio do trajecto na volta da taberna, senta-se no chão
com as costas encostadas à parede das cavalariças do solar dos Duques, onde
esporadicamente faz serviços indiferenciados, mas o que verdadeiramente lhe interessa, onde se sente inchado, grande,
importante ao mundo, é trazer com a
rédea na mão - ele de estatura baixa -, os baios lusitanos – imensos, altos -, até
ao cais de embarque. Vão para o Brasil, para os fazendeiros das enormes
fazendas a perder de vista, é o que dizem, grandes apreciadores dos nossos
cavalos, os lusitanos.
No dia sim dos dias alternados
de tirar pastéis, encostado ao muro, degusta relaxadamente a iguaria. Toma-se
de todo o tempo para as papilas gustativas se inebriarem e depois fica
esparramado, sem dar conta de si, a semi-olhar para o céu, a gozar o efeito
alucinogéno do bacalhau a circular nas veias, depois de devidamente processado.
Com o tempo a alternância mudou
para a constância. Já que o professor não dava por nada, passou a tirar todos
os dias o seu pastel. Melhor que ginjas.
Os ladrões acabam por serem
apanhados pelo excesso de confiança. A sensação de invencibilidade que vai
aumentando com os sucessos na carreira larápia traz distração e daí a ser
apanhado é um já está.
Após as conversas anteriores
Abel seguiu-lhe os passos por alguns dias. Reconstruiu a história como uma minúcia
de detective – viu-se bem nesse papel - e um dia com o Arménio refastelado na
modorra digestiva pranta-se-lhe à frente.
-Estás bom Arménio?
O rapaz, fossem as comparações
possíveis, ficou verde como a estátua do doutor Sousa Martins no Campo de
Santana, ou dos Mártires da Pátria. O mesmo sítio com tantos nomes. Só que este,
o doutor da estátua, faz milagres e o fedelho também gostaria de fazer o
milagre desta aparição não ter aparecido, mas infelizmente não tinha talento
para produzir milagres.
- Como está senhor Professor? -
murmurou sem coragem para levantar a cabeça.
- Já almoçaste?
-Ainda não senhor Professor. está
aqui a sua comida. Só parei um pouco para descansar, está muito calor.
- Fizeste bem. Passei pelo
Abel, ele disse-me que vinhas a caminho e lembrei-me de dividir os meus pastéis
contigo, mas como eles cada vez são menos encomendei mais uns quantos e
trouxe-os só para ti, acabados de fazer, queimam a língua.
- Quero ver quantos és capaz de
comer. É como se fosse um concurso. No final há um prémio.
- Um prémio, senhor professor?
- Sim, mas tens dois minutos
para os comer e são só vinte. Nem dá tempo para palitar o dente. De seguida
comes um arrozinho de grelos para acamar.
- Senhor Professor eu não sou
capaz de comer tanta comida.
- És, és. Andas fraco, precisas
de te alimentar. Tens é que os comer já. E não te esqueças que tens um prémio.
Cabisbaixo e enjoado só de ver
a quantidade, Arménio percebeu. Não tinha alternativa, tinha de comer tudo.
Comeu tudo. Andou uma semana em
ligação directa com a latrina, no pátio da casa. Nunca foi grande apreciador de bacalhau.
O Arménio acabou por conseguir
acabar a quarta classe. Depois disso seria muito pouco provável, dadas as
circunstâncias de ele ter calhado à nascença do lado perro da vida, que
pudesse estudar mais, mas às vezes, as voltas volteiam desfechos diferentes.
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