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DO AMOR INCONDICIONAL - 4 - DO ASTRONAUTA






Vista do céu, a Terra é uma bola de azul intenso, que sobressai como primeiro plano das outras cores que a pintam. Pinceladas de castanhos e amarelos, não é monótona.

Algum marinheiro dos céus, viajante de uma barcaça espacial, de braços nus, tatuados, apoiado na amurada do seu navio interstelar, que neste preciso instante a veja e se detenha com atenção, pasma-se da sua beleza, por mais não seja que o tempo milimétrico de uma suspensão do respirar.

Pode acontecer que se emocione, na forma de emoção que seja a sua, um ser de mundos desconhecidos, desarmado inesperadamente por uma profunda sensação de plenitude, fenómeno possível de acontecer quando desprevenidamente se dá de caras com uma manifestação do belo e não se esperava.

 É, sem dúvida, uma alta concentração de emoção. Levar a um aperto do peito, uma pressão intensa, carência momentânea de ar, ligeira tontura a isso devida, algo de inesperado que vai ficar gravado na memória de uma viagem, a que mais  marcou, a desse simpático marinheiro, que só fazia naquele momento, naquela hora da eterna noite universal, o mesmo que todos os marinheiros fazem: pôs-se encostado ao beiral do seu navio, a olhar para o mar de estrelas, balouçando num magma invisível, ausente de peso e de atritos. Uma total escuridão, salpicada pelo piscar incessante desses pirilampos estelares. Encostou-se para espairecer e estarreceu.

Não se sabe com certezas de comprovação científica aceite por todos os pares, da existência de marujos galácticos habitantes de outros planetas, exploradores do universo. Desconfia-se, quer-se muito acreditar que existem. Os homens, apesar de gabarolas e arrogantes, têm momentos de solidão e procuram novas companhias.

Como serão as caravelas voadoras destes seres do espaço? Têm também velas a impulsionar as suas barcarolas, belas e latinas como as nossas? Têm símbolos pintados nas suas superfícies? Representam o quê? Ou são alvas sem mácula de grafismos, ou transparências, enfunadas pelos ventos que não existem. De qualquer forma que sejam ou se imaginem ser, devem ser magníficos esses cruzadores dos mares espaciais.

Presume-se como ficção científica que se quer verdadeira, que existam marinheiros desses navios que estejam a contemplar a Terra, nas amuradas dos seus barcos impossíveis de imaginar feitio, e que ficam pasmados, exactamente como os homens se pasmam quando voltam o rosto admirado para uma lua cheia, prenha de intensidade luminosa. A reflectir a luz que lhe dá a terra, quando rompe descaradamente extrovertida na linha do horizonte, e os homens abrem bem abertos os olhos de a ver toda, captá-la toda, no que vai ser um grande acontecimento do seu dia.

Os humanos com sensibilidade, vivem esse privilégio umas poucas centenas de vezes na vida, os outros, os insensíveis, também vivem uma vida e não dão por terem perdido nada, e na realidade, para a sua natureza, não perderam nada de relevante.

Assistir ao nascer da lua, bem como do sol, os dois sempre ao despique, é sempre uma primeira vez, um esmagamento sem explicação.

Havendo alguém que esteja de mão dada – suposição ainda mais difícil do que a do marinheiro - sentado num banco debaixo de um caramanchão constituído por flores de nomes desconhecidos, eventualmente sem cheiro mas com outras fragâncias sensoriais, num banco do que se possa imaginar ser um sucedâneo dos bancos de jardim, feito de feitio e matéria diferentes, num planeta próximo, a olhar a Terra, enquanto namora com outro alguém na sua maneira de namorar, divagará no intervalo de um afago, no mesmo tempo do suspiro, como que sonhando sobre os mistérios deste planeta azul. E quando assim o observa sente palpitações no coração ou o orgão que faz as suas funções. E usufrui de duas emoções diferentes e fortes ao mesmo tempo: a do amor, e a da contemplação de uma coisa bela. Não há ninguém, nem nos universos paralelos, que consiga viver só rodeado do feio. Por isso existe a arte e estes cenários de realidade, que são igualmente arte, para amaciar as más vistas.

Fará esse ser alienígena a pergunta que se espera que faça numa circunstância a pedir essa pergunta: «há vida nesse lugar que agora contemplo?» Organizada, complexa, com seres, que no momento em que o casal extraterrestre se questiona, cumprem com a maior das naturalidades a normalidade do quotidiano, com os previstos e imprevistos que o constituem, e com os sentimentos, as emoções e as razões à flor da pele, que será dizer: dando-se à representação apoteótica dos seus papéis de personagens na vida?

Fazem-se tantas perguntas, anseiam-se tantas boas respostas!

Pode mesmo haver marinheiros desse mar lácteo, ou só namorados, que simplesmente olham para ela, sem pensamentos ou sentimentos que encadeiem alguma forma de apego. Têm um ligeiro formigueiro na camada que envolve os seus corpos (pode ser pele) uma indelével sensação de prazer, e basta. Quem não pergunta tem menos inquietações, é porventura mais feliz, descomplicou a vida.

Por onde andará esse alguém, não se sabe, mas é da mais elevada poesia pensar que existe e anda por aí.

Quem agora está a pensar em tudo isto, numa cascata de pensamentos engasgados e confusos é Alexei, o astronauta.
Quando se liberta das suas obrigações diárias - ele tem por cumprir uma agenda cheia de experimentações científicas com protocolos rigorosos - encosta-se ao óculo da escotilha da Estação Espacial Internacional e põe-se a olhar para o silêncio azul do seu querido planeta Terra. E enquanto vê o azul e os esquissos das outras cores, é embalado por um torvelinho de pensamentos, uns acessórios, outros a serem levados em conta. Ele não vê obviamente o silêncio, impalpável e invisível e inaudível, mas não há nenhuma dúvida que o azul e o silêncio são companheiros que conjugam bem para saírem de passeio juntos.

Quem agora o visse, via um puto pequeno, maravilhado, como se estivesse na sua primeira visita a um oceanário, com a cara espalmada no vidro dos diferentes aquários, admirando a hipnotizante dança dos peixes exóticos, dos grandes e poderosos tubarões, das mantas, certamente um dos animais mais gloriosos da criação, todos coloridos e raros, flutuantes no seu meio de andamentos em câmara lenta, a dar tempo de captar todos os detalhes dos seus movimentos aquáticos.

Terminadas as tarefas do dia Alexei deixa-se ficar esquecidos minutos, a adorar o seu planeta. Tão intensamente que hiberna do espaço claustrofóbico da nave, e entra numa outra dimensão, num registo tépido, numa tristeza suave que o embala noite dentro, num espaço em que é sempre noite, sempre breu, salpicado por piscares de luz das estrelas e das outras categorias de objectos planetários.

Todos os fins de dia, como se fosse um primeiro encontro, ele vive o intraduzível sentimento do espanto, arrepiando-se, ao repousar o olhar no planeta Terra. E essa credulidade de olhar como se fosse o de uma criança, é uma das provas da sua humanidade, uma especialização exclusiva das máquinas de palpitar que são os homens.

Numa nave que se imagina aconchegada demais para o convívio forçado de instrumentos e astronautas, esta escotilha é o seu refúgio de tranquilidade, o seu ponto de fuga.

Nem tudo o que naquele instante está a acontecer na Terra é bom, belo ou justo, mas ele está distante dela e por esse facto, o do distanciamento, não vê o cinzento do mundo. Só o azul, o glorioso azul, cobrindo tudo.

Alexei olha o planeta e boiam na sua mente, como que ausentes de gravidade, memórias-imagens, pensamentos de passados borbulhantes, episódios pessoais, histórias alheias, perguntas fundamentais, dúvidas sempiternas.

As voltas que as perguntas dão, que acompanham a vida, sempre as mesmas, sem respostas algumas, desconfiando-se que se sabe, de outras.

O astronauta partilha há seis meses a missão com dois colegas de outras nacionalidades, um americano, um japonês um russo que é ele. Entendem-se apesar do convívio prolongado em espaços fechados não ser fácil. Eles vivem numa pequena sociedade das nações. Quando se juntam dois homens, nasce a necessidade da política, o que aumenta o esforço da diplomacia.

Quando amuam e acontece, falam nas suas línguas, entredentes e é essa a forma de desabafarem e diminuírem as tensões de um espaço confinado, pouco respirável, de muitas concessões. Não têm pontos de fuga, coabitam um ambiente asfixiante rodeados de infinito que também asfixia por ser desavergonhadamente interminável e escuro. Não se pode sair, ir lá fora, dar uma volta, sacudir o peso dos ombros, e voltar mais leve do passeio. Uma escapadela temporária é uma impossibilidade prática, e assim se descreve uma prisão, que não são as paredes nem as grades que a delimitam, mas o não haver, mesmo sem nenhum muro, liberdade possível de alcançar.

Onde há dois homens, há entendidos, mal-entendidos, subentendidos. Comunicar não é fácil mas é o que os faz humanos, trocam opiniões e aceitam-se. Alexei é uma pessoa que se leva bem, e os companheiros também, falam entre si das suas coisas particulares, contam histórias, uma anedócticas outras sérias, e assim se levam, assim vivem juntos.

A missão decorre sem incidentes o que é conveniente aos bons trabalhos da comunidade científica, que procura os avanços do mundo, a que chama conhecimento. Estes homens têm um trabalho com significado.

No entanto o afastamento prolongado dos seus, e o silêncio – é destruidor o silêncio quando é forçado – esticam os fios elásticos da paciência, a ponto de uma permanente tensão. Na ausência de gravidade, os minutos não medem só sessenta segundos, são muito mais prolongados e há mesmo minutos que são eternos.

Durante o dia (sempre escuro lá fora, sempre noite), ele distrai-se nas suas múltiplas actividades, a sua curiosidade não tem limites e há muita experiência para fazer. Quando termina o turno sofre os efeitos do acabrunhamento, baixa a guarda, e como antídoto vai espiolhar a Terra. Envolve-se num manto de uma saudade cinzenta, num processo que se instala devagarinho e só se liberta quando se sacia de ver os desenhos e as cores das geometrias dos continentes e das águas que rodeiam os continentes, tudo isto enquanto o planeta gira, e a nave também, mantendo o movimento que se espera deles. Alexei olha pela escotilha e vê um magnífico e lustroso berlinde de vidro num caleidoscópio.

Se pudesse abraçá-la ali mesmo, a Terra, inteira, num abraço lento, demorado, absorvendo tudo o que a constitui, dando ele tudo o que o constitui, era o que faria. E dava-se logo ali, imediatamente, uma fusão de Amor, uma reacção nuclear, pelo impacto da união dos átomos bons do Universo.

Seria suficiente esticar o braço e tocar na sua superfície, acariciando como se acaricia um boneco de peluche. É difícil encontrar uma lógica para o que se está a dizer, mas é assim que as coisas acontecem quando se passa demasiado tempo fora de si. Perde-se um pouco ou toda a razão, fazem-se e pensam-se coisas pouco comuns. E vem a saudade, como chuva miudinha.

Há dias em que as memórias não jorram dos teclados da sua máquina de pensamentos. Aparecem do nada, vindas de fora, circunstanciais. As palavras como que pairam no ar ausentes de gravidade e aproximam-se umas das outras, encaixam, produzem sentidos

Algumas excêntricas.

Desde que o foguetão o levou à estação espacial, o tempo a contar para a sua vida em calendário terrestre, interrompeu-se na sua ausência, entrou num modo de intervalo. A terra reteve-lhe como prova de boa fé, o passado, não podia ser de outra maneira, cobrou uma garantia. se voltar recupera-o, se não fica para herança. Se não for reclamado, recicla-se porque já há muito pouco espaço disponível de armazenamento de todos os passados dos passados na terra.

O que Alexei vê quando olha agora para a terra não existe, já foi. Um desfasamento. Se o presente é uma quimera, a escapar para o futuro, ainda mais nesta situação, em que se olha para um ponto no universo e o tempo que demora o olhar a chegar a esse ponto, transforma o que se vê no que já foi. Os residentes fixos que não saem dela até porque ainda não podem, não se dão conta, destas subtilezas.

Todas estas conjunturas para dizer que Alexei por nenhuma razão especial, mas porque isso lhe ocupa a cabeça, e ele precisa de distração, começou a desenvolver uma teoria.

Desenvolver uma teoria exige pensamento, abstração e inteligência, tempo para tudo isso não lhe falta. Afinal de contas ele é um astronauta, e para o ser, teve que demonstrar a muito boa gente que reunia as condições pretendidas, entre as quais se incluem as referidas anteriormente.

Sendo um cientista, pragmático portanto, achou que não seria má ideia construir uma teoria das ciências humanas, mais amaciada na rigidez da exigência das exactidões, elaborada por uma cabeça formada no puro pensamento racional, experimental.

Uma nova metafísica, das que encaixem na forma de pensar de um cientista, um experimentador, um comprovador das relações de causa e efeito, validadas por modelos matemáticos.

Ao mesmo tempo que fosse um modelo ajeitável ao “talvez”, “era melhor se fosse assim”, que não seja monolítico, que dê espaço à poesia.

A sua tese, construída e calibrada nos seis meses em que é inquilino num apartamento estreito na órbita da terra, defende que o planeta tem uma função oculta, que poucos iniciados sabem.

O seu interior não é só magma incandescente. Isso é uma barreira, para que não se chegue ao âmago, ao centro, onde funciona uma imensa biblioteca de armazenamento das memórias dos homens, de todos eles, desde o primeiro que abriu os olhos ao mundo e pensou, até ao que vai morrer no próximo segundo. É um servidor gigantesco e todos estão ligados por cabos virtuais, não palpáveis nem visíveis, ao servidor. Um computador gigante, auto-alimentado que processa, cataloga, inventaria, armazena tudo o que de inimaginável e imaginável foi alguma vez e será alguma vez, concebido pela mente humana. Esta motherboard tem toda a história do planeta terra. Aquilo a que vulgarmente se chama alma, é o módulo de conexão com esta máquina, que quando se dá a morte do seu portador, faz o download final dos conteúdos remanescentes do ser defunto, para o servidor principal.

Quando os utentes por força da morte ou outra ausência não explicada (por exemplo o caso dos astronautas como Alexei, que saiu temporariamente da influência gravitacional do planeta) desligam-se da matriz, ficam assim fora do sistema de armazenamento.

Entram numa espécie de limbo, num tempo suspenso, que não gera memória. Quando se desliga a ficha do cabo virtual, ao fim de determinado tempo que não interessa agora revelar, todo o acervo que estava no “computador” deixa de estar identificado com o ser a que corresponde um código de série e lote (é por anos de nascimento) e passa a ficar disponível como matéria pensada fertilizante de ideias.

Explica-se. Os novos seres que nascem todos os dias, dada a sua imaturidade, ainda não dispõem da quantidade específica de memória exigida e necessária para poderem arrancar com os seus processadores mentais, pensarem e decidirem por si próprios. Assim e para facilitar o processo de adaptação e crescimento e até que atinjam essa autonomia, é oferecida a possibilidade de utilizarem um concentrado de memórias esparsas de anteriores utilizadores. Estas memórias são previamente recicladas e limpas de referências a lugares, situações especificas e pessoas, para não gerar confusão.
É um kit de sobrevivência intelectual, para se lidar com as primeiras impressões da vida. À medida que vão crescendo e criando o seu próprio acervo, essa espécie de enxoval, esfuma-se, e apaga-se naturalmente.

Isto não passa de uma teoria sem pés nem cabeça, mas boa ou má é como outra qualquer e pelo menos serve para passar o tempo e diluir a solidão de Alexei, o cosmonauta russo, homem que gosta de se entreter com teorias.

Mesmo estapafúrdia, não deixa de ser interessante, e vinda da cabeça de um homem da ciência, ganha uma ponta de credibilidade, que não teria se viesse da cabeça de um trovador.

Quando arruma as coisas da ciência e não está a desenvolver a sua teoria que espera vir a apresentar oficialmente depois de afinada e se tiver pernas para se sustentar – apesar dos riscos de insanidade que comporta, a serem talvez desculpáveis, pelos efeitos deletérios causados por uma permanência demasiado prolongada num ambiente fechado  e falho de ares puros e renováveis, Alexei só se interessa por coisas simples.

Não tem ambições de saber a vida dos outros, para além do que pode saber e entender da sua, que é muito menos do que  julga que entende. Por ser assim, não procura mais intimidade com os companheiros. Não lhes rebusca os passados. Não pergunta. Não tem uma curiosidade contida sem esforço.

Quando não está a divagar na sua nova e impraticável teoria da terra como servidor da memória de todos os homens, ele dedica a sua cabeça imaginando quais serão, naquele momento, as rotinas da sua linda mulher, loura e distante - preconceito que os meridionais têm sobre as russas, o que nada interessa porque não há nesta missão nenhum astronauta meridional que possa pensar que Alexei é russo e louro e por isso distante, como a sua linda mulher.

Há momentos, nos intervalos desse estado quase contemplativo dos seus sonhos que se turvam com pensamentos taciturnos, que estão sempre a serem gerados, sem querer, pelas máquinas dos pensamentos: quais foram as piores tragédias do alinhamento do dia na sua querida e longínqua terra? No balanço do dia, houve mais sofrimento ou mais prazer?  Medições cientificas impossíveis, não se inventou ainda uma fórmula matemática para aferir dados desta natureza.

Ele fica ligeiramente perturbado com essas nuvens, brumas nos seus sobrolhos, mas depois desanuvia, especado no óculo da escotilha da estação espacial. Hipnotiza-se, deixa-se levar pela sedução – a sensual sedução - do silêncio azul do astro a que chama lar, e perdoa tudo. Perdoa ao mundo a poluição dos acontecimentos nefastos e trágicos, porque visto àquela distância, com a beleza que tem, fica inconcebível que possa existir mal, num local tão perfeitamente extasiante.

Há momentos em que o astronauta Alexei dá sinais de falta de lucidez, talvez seja o cansaço prolongado da missão, o desgaste de se estar confinado muito tempo a um espaço reduzido. Não erra no trabalho - os procedimentos estão automatizados, foram treinados e executados mil e uma vezes -, a sua cabeça é que não para de pensar na mesma coisa, voltas e mais voltas, esperando a chegada do fim do dia, para o reencontro obsessivo com o seu planeta azul, separados por uma escotilha côncava de um material que não vidro, altamente resistente às pressões adversas.

Esta é a relação de um homem com um objecto celestial, um planeta, e pode-se utilizar a palavra paixão, que é a antecâmara do amor, um quarto que muitas vezes nem se chega a entrar.

Quando acontece o reencontro, baixa-lhe uma paz irrequieta, uma contradição que alguém entenderá, que não se explica, um controlo emocional na eminência de explodir a qualquer instante.

Durante o dia Alexei imagina-as e junta frases bem arranjadas, soubesse e seriam versos, em quadras e rimas, para depois as dizer, parecendo que está a fazer uma figura tonta mas não, como uma recitação de um mantra, com um olhar que não pestaneja, fixo, uma ode à sua amante Terra.
A poesia desta é seu azul avassalador, e é assim que lhe retribui, brilhando ainda mais azul, quando Alexei, no final do dia, recita as suas juras de amor.

A Terra pensa e tem sentimentos – não se sabe se tem um servidor de memórias, mas isso agora não interessa, é só uma teoria a comprovar -, também ela se oferece, a quem mostra estar incondicionalmente apaixonado de si.

É um amor para sempre, palavra traiçoeira. Não é um amor de volúpias, nem licenciosidades. A sua intenção é tão purificada pelo deslumbramento, que roça o espiritual.

Por vezes é preciso haver um afastamento, uma viagem, para que a sua falta queime a pele, seque a boca, invente palavras doces, meigas, que antes não se conseguiam dizer e agora se gritam, e não são ouvidas, perdem-se na distância do espaço que separa os dois seres amantes sem condições, para além de se amarem incondicionalmente.

A distância chora, ou ganha imunidade. Neste caso cola.
Para Alexei, este amor é para o que der e vier, até que a morte separe, e não restam dúvidas que ele e ela, os dois, lindo casal de noivos, vão cumprir esse compromisso, porque foram feitos um para o outro. Não há melhor conjugação.

Enquanto estiver em órbitra, Alexei vai continuar a olhar todos os dias para a Terra, e a cantar-lhe poemas de amor que ele não sabe que o são, mas desconfia que começa a ganhar o jeito de os cantar.

Este amor incondicional, é o amor que se purifica e sublima pelo afastamento da coisa amada. Esse alongamento por vezes desfoca o objecto, por vezes aumenta como uma lupa.

Longe dos olhos, perto do coração, pode ser o ditado apropriado e já se sabe, de mais para trás, que é sensato tê-los em boa conta, não seja de uso numa situação mais difícil, que algum venha em ajuda, compor o que parecia irresolúvel, porque os ditados, mesmo quando duros, são pensos apaziguadores das feridas dos homens. Manuais simples de sabedoria.


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