Os
meus pais sonharam tanto com um filho jurisconsulto, para eles advogado, mas
escapei-me e desiludi-os num dos seus sonhos de pais: a profissão dos filhos. Que nem sempre acerta, depois, nos sonhos que
os filhos escolhem. Fugi para casa de uns primos afastados, gente honesta, se
tivesse sido advogado também, que tinha um negócio de venda de bifanas,
actividade itinerante, numa rulote, na Alsácia. Tornei-me vendedor ambulante,
sem nunca ter imaginado que na Alsácia as pessoas gostavam de bifanas no pão.
Encontrei
o meu caminho e sou feliz desde aí, mesmo pagando impostos.
Sempre
que o meu negócio permite, recebem-me, os meus pais, quando venho no verão
matar saudades (já me custa entender o significado de algumas expressões. Eu
não venho matar nada: venho viver).
Venho
então recuperar momentos da minha ausência, da terra. Eles não são espontâneos, os meus
pais, no fundo nunca me perdoaram
ter-lhes falhado no sonho, deles.. Não foi por não ter sido doutor, mas por não
ter sido jurisconsulto, a carreira mais habilitada ao sucesso de todas as que
existem, segundo a sua opinião e dos seus conhecidos quase todos frequentadores
da pastelaria “Boca Doce”, da venda de fruta da Dona Joaquina e da farmácia
“Central” , que corresponde praticamente ao universo de gente que constitui o seu mundo
e no qual eles bebem as opiniões antropo-sociológicas que desenham os contornos
do seu entendimento das coisas do mundo.
Eles e os seus conhecidos, são capazes
de ter razão, sobre a excelência da profissão que abjurei: há por aí jurisperitos , opinativos e bem sucedidos, com
queda natural e grande sucesso em todas as actividades nobres: ministros – saem
dos curso e parece que saem logo com jeito para ministros - políticos e
deputados, também com um jeito enorme; banqueiros, ou seus conselheiros,
inteligentíssimos; presidentes de câmara -menos - é uma profissão mais popular, ainda assim
também os há, realizam trabalhos; complexos; e Provedores de misericórdias, ainda mais se
forem católicos, garantido, uma misericórdia gere-se bem, tem poucos entraves
nos fluxos financeiros; espiões, serviços de informação, estão talhados para
isso. Não há ninguém que guarde melhor um segredo e empalme um bom segredo ao
inimigo como eles, até devem ter uma cadeira disso na faculdade; presidentes
dos serviços municipalizados de água, luz e gás, é um enxame, têm sempre
trabalho; chefes de bombeiros, sócios de estilistas de sucesso, donos de
restaurantes da moda, cantores, presos, e tantas outras que ficávamos aqui o
dia todo a gastar palavras e papel.
Não
conheço nenhum que venda bifanas, serão profissões incompatíveis.
Direito
é um curso muito completo, ser legisperito, dá para praticamente tudo, mas eu
gosto mais de vender bifanas e inventei um molho único e bastante saboroso que
me diferenciou da concorrência neste negócio igualmente competitivo das bifanas
no pão. Já fui uma vez abordado por um advogado que me aconselhou a registar a
marca e patentear a receita. Foi tão amável que para facilitar as burocracias,
até se prestou a ser meu sócio. Não aceitei, e ele pediu-me honorários pela
ideia. Paguei e não foi pouco, não insistiu mais. Muito prestável.
Tenho
um amargo na alma que os meus pais não compreendam a minha profissão, talvez um
dia. Eu nunca duvidei que ser legista fosse bom, mas também há outras vocações
com a sua nobreza. Para mim são as bifanas, com o meu molho, especial.
Na
região onde vivo há trinta anos, sou reconhecido e nunca vi ninguém a ter
preconceitos com as bifanas. Pelo contrário, muitas vezes repetem, chegam a
comer duas. Até poderia ser o rei das bifanas, não fossem eles calvinistas, muito
pouco ligados a casas reais.
Aqui
os advogados também são muito respeitados, mas é uma profissão como qualquer
outra, têm menos saída. Quase todas as pessoas conseguem resolver os seus
litígios e na política não são muito apreciados, são pouco pragmáticos. Engonham
bem é certo, mas os calvinistas são do diabo: interpretam uma frase formal (
mais ainda se forem código) sempre da mesma maneira, não têm absolutamente
nenhuma paciência para floreados gongóricos.
Tenho
muita pena que os meus pais não apreciem o meu mester.
Eu sonho
que o meu filho seja engenheiro. Desenrascam-se em quase tudo e se for preciso
ainda são bons contabilistas. Oxalá tenha sorte com o meu miúdo.
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