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PAZ






Também eu quero paz, como lhe chamas, um nome imponente.
Ficar quieto, em que tudo se aquieta, indiferentes às entropias, impávidos perante qualquer rumor, mesmo que em nosso nome.
Não nos deixarmos afectar pelo que nos rodeia próximo ou longínquo.
Estar sem nada fazer a não ser receber a paz, que é fazer nada, bem feito. Sem alterações de excitabilidade. Impavidamente.
De figuradas pernas abertas na cabeça. Disponível.
Absorver pelo que tenha que ser, independentemente do querer.
Sem consequências.
Assistir sem formar opinião, deixar correr. Não é deixar, porque não temos acção consciente sobre isso. Nem vontade que seja pessoal. Nem pessoal nem de outro por nós.
Um fluir, imitando os deterministas, pessoas sérias, bem-intencionadas, persistentes numa filosofia que magoa a ânsia de liberdade de alguns, dos que se magoam com facilidade.
Ver como um fado, marcado, nas linhas das palmas das mãos.
Uma paz assim, queremos porque estamos vigilantes, mesmo sendo fanáticos do movimento,
passando por distraídos.
Quem não a quer são os loucos e esses não têm desculpa, nem uma saída airosa no que estão metidos.
Não somos como eles. Sei bem. Somos dos que queremos o sossego.
Dar com o portão de entrada do vazio,
Entrar sem pedir licença, admirar embasbacados os extensos jardins em branco, repletos de floras variadas e ervas rasteiras, ausentes de cor, por nada.
Não é uma monotonia é um encerrar a cor toda numa ausência dela.
Passear sem escolher as veredas, aonde nos levam os passos, como se nada de importante estivéssemos a fazer e de facto não, apenas a assobiar para nós,
Trautear canções fracas,
Usufruindo nesse passeio dos aromas frutados desse branco que cobre tudo.
É isso que queremos,nem todos chegaremos lá,
Mas concordo contigo: HhhSomos cobardes se não tentarmos,
Ter paz.

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