Matou-o no dogma dos Judeus, matou-o no dogma dos
cristãos, matou-o no dogma dos muçulmanos. Depois de ter sido morto
consecutivamente, três vezes, mais do que defunto, esse facto definitivo e os
seus significados, deveriam ter deixado o assunto resolvido. Mas não. Caim
insiste em continuar a matar Abel sempre que lhe é dada uma oportunidade. É tão
recorrente que quase perdeu o simbolismo.
São irmãos, mas nunca se irão entender. Não se
escolhe a família.
Hoje, Caim mata Abel por tudo e por nada e não precisa
da desculpa das religiões para o fazer com descaramento. No entanto, uma
religião – que esteja à mão -, é uma boa incubadora de ódios de estimação: Não
és como eu, então és o demónio. Vou matar-te, por fora e por dentro, para que
as tuas ideias não frutifiquem e se sobreponham às minhas. Depois de morreres
digo que sou tolerante, aceito todos os contrários e limpo daí a minha
consciência.
Ouvindo e entendendo isso, as novas crenças,
evangélicas e afins, algumas, dão boas-vindas à credulidade das pessoas e
ordenam-lhes a morte de Abel, cansado de ser morto por tudo e por nada. Temos
exemplos bem documentados nos novos totalitarismos, levados à cadeira do poder
discricionário sobre os homens, por influência e votos em massa destes amigos
evangélicos (sendo que não pomos todos no mesmo julgamento: havendo pessoas
bem-intencionadas mas crédulas, pessoas que vão ao engano, pessoas de boa
intenção intrínseca à sua essência e, finalmente, pessoas que são imbecis e não
entendem).
Estando nós nesta situação confusa vem-nos à
mente que se considerássemos uma conjugação propícia dos astros para Caim e Abel falarem a sós (sendo
família que se entendam) não estaria aí uma boa oportunidade de eles se
aproximarem, pondo ponto final a uma questão que tem sido fulcral na história
das civilizações e ainda para mais com uma poupança de vidas incalculável?
Talvez, sacudindo da nossa companhia diária os falsos mensageiros da falsa palavra
de Deus, se desse descanso aos homens para irem tratar das coisas dos homens e
os deuses das coisas suas.
Entretanto, já com naúsea, de boca aberta,
assiste-se mais uma vez à morte de Abel, agora transformada num “espectáculo da
vida real”, a bem das audiências. Assim vai o mundo, talvez não para melhor.
*Bartolomeo Manfredi
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