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TOCA O SINO DA MINHA ALDEIA






Quase inaudíveis, sonho um sonho que me parece mudo, quase inaudíveis os sinos da minha aldeia a tocarem vagamente, abafados, diminuídos, pelas casas que são das alturas ou mais do que as alturas da torre da minha igreja. Barram os voos do som, amesquinham-no a não se deixar ouvir, um som que nunca teve pretensões, mas era necessário.

Deixei há muito de ouvir o toque a rebate, a revelação de uma criança que vem ao mundo, a participação de uma partida para o além. Nem o convite à missa. As anónimas torres de betão com janelas corridas, sempre fechadas, abafaram essa chamada.

A ouvir ainda, qualquer coisa meio imprecisa, é o bater de horas. Mas não me abeiro sequer a contar as certas, perco-me na distração intrusa de um ruído de um carro que se interpõe na tentativa da audição, ou numa algazarra qualquer, a passar-se numa rua sem nome, na minha aldeia.

Honestamente, o que é um ludíbrio é que se ouvisse os sinos da minha aldeia a tocarem esses dizeres, o que estaria a ouvir, seriam martelos a percutirem nas lombadas dos sinos acções mecânicas vindas de um temporizador, ligado a uma memória digital que dá ordens cegas aos sinos para emitirem os sons dessas músicas simples.

Sacristãos sem família ou padres de batinas esvoaçantes já não se deixam ir agarrados às cordas que faziam pender os badalos dos sinos, e precisamente por essa precisão e minúcia, a de serem  manejadas por homens, as músicas eram as mesmas, mas todos os dias diferentes,interpretadas.

Como estou a sonhar até vejo um confessor de almas a deixar-se ir, voltado do avesso, pernas para cima e cabeça - a sua, ruborizadíssima - a imitar ela mesma o badalo, que ao engano da posição que ganhou vá-se saber como, toca uma música nova, deixando-nos aos paroquianos, na dúvida da comemoração que anuncia.
É sonho.

Tacteio no escuro utilizando os meus dedos com o maior dos cuidados para minimizar estragos, o lugar certo da mesa de cabeceira onde tenho o relógio. Necessito ter a certeza da hora certa, para me poder levantar.

Há cada sonho!


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