A ideia mais nítida que tenho dos anjos é uma fotografia de época: os meus avós, a minha mãe com uns lacinhos a rematarem os totós perfeitamente simétricos, e o meu tio, uns treze anos. O seu rosto irradiava uma luz que eu só posso qualificar de luz pura de um anjo. Depois dessa fotografia, nunca mais vi nenhum. Este meu tio, só estivemos juntos em carne e osso uma vez - apesar de ter sido o meu padrinho espiritual -, quando veio gozar férias da guerra colonial, à metrópole. Eu teria uns quatro anos. O seu rosto não aparece na memória desse episódio, só um passeio de carro eléctrico, um revisor com uma farda interessantíssima, o alicate pica-bilhetes, mais interessante ainda, e o bivaque militar do meu tio, fonte de toda a minha restante atenção. Se soubesse teria olhado para ele com detalhe, para o captar para mim, meu anjo: um bivaque e um alicate não mereciam essa transferência de interesse, mas uma criança tem os seus pontos fracos e eu claudiquei. Quando cumpriu a sua obri...