O Darwin é um cão muito mais inteligente do que eu. Pudera, com os pergaminhos que tem! Ele sabe o nome de todos os meus amigos, mesmo nomes estrangeiros, difíceis de pronunciar.
Eu,
já não é a primeira vez que me esqueço do meu, a minha mãe então, que estará
vogando no éter da energia de todo o universo, em sua vida, todos os homens, novos
ou velhos, familiares incluídos, chamavam-se Paulo, o seu filho predilecto.
Acho
assim que o Darwin não só é mais inteligente que eu, também é mais
inteligente que a minha mãe, que não se
conheceram. Não vale a pena avançar com mais familiares porque o Darwin já me
começa a irritar com a sua soberba de ser o mais inteligente de todos. Tivesse
ele, nas lotarias da sorte, calhado viver numa família de doutorandos e
doutorados, disto e daquilo, e havia de sentir as vergonhas de não ser tão
inteligente como eles.
Como
está comigo, tenho que me reduzir ao silêncio, para não passar por vergonhas.
Quando em final dos dias, começando a noite a
vestir o céu, momentos em que
insinuando-se,
a melancolia me contamina, posso estar a ler, a pensar em
coisas,
a fazer na cabeça bilros com as palavras, Darwin sempre a meu lado,
sai
disparado, uma seta, na direcção da varanda do nosso segundo andar,
onde
somos felizes, olha para a rua, gane umas quantas vezes, e volta
Supersónico
como foi, sentando-se em posição de esfinge egípcia, com os olhos arregalados, a
dez centímetros do meu rosto.
Como
o conheço bem , sei que me esta a chamar para a varanda, onde estarão nesse momento
a passar a Marlize de quem ele muito gosta, ou o Stewart que na
sua
boa disposição constante o atrai, ou a espiritual Maria-Helene, pela qual
Darwin
nutre respeito, que poderá ter as suas razões em coisas subterrâneas e
ocultas,
de uma particular espiritualidade dos dois.
O
apreço que lhe tenho, ao animal, contaminou-me para mimetizar a minha mãe: tratando todos por Darwin, até os meus
filhos, que aceitam porque compreendem que já não vou a caminho de novo, e as minhas vias rápidas neuronais começam a ter cruzamentos e semáforos com falta de
manutenção.
No
entanto faz-me “espécie”, os dons dos que comunicam à distância, palavras em
pensamentos que não são proferidos audivelmente e na ausência física dos
interlocutores. Sensitivos, como o Darwin.
É
que se ele capta a passagem pela minha porta, dois andares baixo, dos meus
amigos que ainda por cima vão silêncios porque não têm nada que dizer a si
mesmos em voz alta, o que o danado não absorverá dos meus naperon
mentais, das minhas congeminações de conspiração, das minhas quimeras de estar
a flutuar eternamente numa praia azul-turquesa, com um tubo de hidratação
directo, pingo constante, de pina colada até ao fim dos meus dias.
O
que andará a dizer de mim este cão por esse universo fora, nessas conversas que
parece saber alimentar nos obscuros circuitos da mente?
É
assim que se dá cabo de uma imagem, um cão rafeiro a dizer mal de nós, e nós
sem direito ao contraditório…só porque não somos tocados pela sensibilidade da
comunicação dos seres subtis.
Extrasensory
Intuitions
Darwin
is a dog far more intelligent than I am. Naturally — with his pedigree, how
could he not be! He knows the names of all my friends, even foreign ones that
are hard to pronounce.
As
for me, it’s not the first time I’ve forgotten my own name; and my mother, who
must now be floating somewhere in the ether of universal energy — in her
lifetime, every man, young or old, family included, was called Paulo, her
favorite son.
So
I believe Darwin is not only smarter than I am, but also smarter than my mother
— though they never met. There’s no point in mentioning more relatives, because
Darwin already begins to irritate me with his arrogance at being the smartest
of us all. Had he, by some lottery of fate, ended up living in a family of
scholars and PhDs of this and that, he’d have known the shame of not being as
intelligent as they were.
Since
he’s with me, I have to keep silent to avoid embarrassing myself.
When, at the end of the day, as night begins to dress the sky, and melancholy seeps into me, I might be reading, thinking about things, weaving lace with words in my mind — Darwin, always by my side, suddenly bolts off like an arrow toward the balcony of our second floor apartment, where we’re happiest. He looks out to the street, whines a few times, and then rushes back, supersonic as before, sitting like an Egyptian sphinx, eyes wide open, just ten centimeters from my face.
Knowing
him as I do, I realize he’s calling me to the balcony — perhaps Marlize, whom
he’s fond of, is passing by; or Stewart, whose good spirits always attract him;
or the spiritual Maria-Helene, for whom Darwin has great respect — perhaps for
reasons buried deep in some mysterious, shared spirituality between them.
My
affection for the animal has led me to mimic my mother: I now call everyone
Darwin, even my children — who tolerate it, knowing I’m no longer young, and my
neural highways are starting to show crossings and traffic lights in need of
maintenance.
Still,
it bewilders me — the gift of those who communicate from afar, words in
thoughts that are never audibly spoken, in the physical absence of their
interlocutors. Sensitives, like Darwin.
For
if he can sense the passing by my door, two floors below, of my friends — who
walk in silence because they’ve nothing to say even to themselves — what might
the rascal not be picking up from my mental lacework, my conspiratorial
musings, my fantasies of floating eternally on a turquoise-blue beach with a
direct hydration tube, a steady drip of piña colada, until the end of my days?
What
must this dog be saying about me throughout the universe, in those
conversations he seems to sustain within the obscure circuits of the mind?
That’s
how one’s image gets ruined — a mutt badmouthing us across the cosmos, and we
with no right of reply… simply because we lack the sensitivity for
communication among subtle beings.

Muito bem honra ao Darwin que com a sua postura e subtileza se sobrepõe ao comportamento de muitos humanos
ResponderEliminar