A última grande esperança. Depois da elevada expectativa em ser o melhor
jogador de berlindes, que não se concretizou por um problema espasmódico da
minha mão esquerda; depois de perceber que não iria ser o maior matemático do
mundo, com as notas humildes que consegui nos anos primários; depois de chegar
à conclusão que estava longe de ser um Adónis, de muito me olhar ao espelho e
de aos quinze anos ainda não ter dado um único, que fugidio, que depenicado,
beijo na boca; ser o melhor piloto de ralis da estratosfera, não sabendo eu o
que era a estratosfera – que me parecia bem e adequado às minhas ambições -, era
o lugar no pódio do mundo que me estava reservado num futuro próximo.
Os meus tios alugaram uma casa ao ano, durante anos, numa aldeia chamada
Sobreiro, a poucos quilómetros da Ericeira. Como eramos uma família solidária,
eles pagavam a renda e nós os primos, os sobrinhos, os amigos mais amigos, usufruíamos
essa comodidade. Então, quase todos os fins-de-semana íamos para o Sobreiro. Odiando
a praia por ser do contra em tudo, por imperativos hormonais, e considerando o
clima peculiar para a prática de banhos de praia, acabei por conhecer
profundamente o Sobreiro e fui um campeão da chichada de fruta. Sempre que
possível e quando a família confraternizava em prolongados almoços, eu, sentado
ao volante do Toyota amarelo, memorizava todos os pormenores e detalhes da
viatura, ensaiava o manuseio da caixa de velocidades, mimetizando os sons do
motor em altas rotações, em vocalizações que me deixavam rouco, e sonhava com troféus,
medalhas ao peito, sabe-se lá porquê com coroas de louros, e beijos
prolongadíssimos, na boca, competentemente administrados por belas raparigas
com faixas a anunciarem que eram misses de qualquer coisa, e eu, no pódio ainda
maior do pequeno que era, a não caber-me de inchado, que tinha valido a pena
ser piloto de ralis para receber belos beijos na boca. Anos depois quando tirei
a carta de condução, o Toyota já estava cansado, não me deu as vitórias que eu
esperava, e tornei-me escriturário, que não sendo mau, estava longe da estratosfera,
o que nunca me perdoei de não ter atingido.
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