Em dias tranquilos e belos, consigo imaginar a paz, felicidade, como quiserem chamar. Quando o sol aquece mas não se intromete, quando se põe uma aragem suave, uma brisa que corre doce e transporta às suas costas odores perfumados, quando nessa quietação quase a parecer coisa de outros mundos, os pássaros chilreiam canções e as laboriosas abelhas colhem o futuro nos estigmas das flores, parteiras do mundo, páro, sento-me num banco velho sobre a janela da marquise do apartamento gasto, e vivo os gloriosos momentos de um fim de dia, no campo que trouxe para a cidade e que cabe na moldura dessa janela. À minha esquerda, na continuação do telhado, pousam gaivotas e melros e falamos de coisas nossas. Em frente entre os prédios, a falha de um dente, há uma nesga por preencher. Vejo um pedaço do mar e a linha que marca o horizonte, e é precisamente nessa nesga, nem de propósito, que o sol se põe, fazendo espectáculos luminotécnicos exuberantes, banalidades para a natureza que não tem conceitos estéticos, mas muito importantes para mim. Nesses dias, revejo-me completo e acredito em Deus. Por nenhuma razão em especial. Dá-me uma saudade sua, sem explicação. Nunca privámos, não sei porque hei de ter saudade de alguém que não conheço. Sempre fui estranho, será por isso. Ou pela nesga. Se ela não estivesse ali, à frente dos meus olhos, só veria prédios e coisas urbanas, fecharia com certeza a janela e ligaria a televisão, para me entreter, levar-me pelo sono para o dia seguinte e a mesma repetição monocórdica de tudo o que são os dias. Esse troço quase ridículo de mar que vejo e a linha que desenha a fronteira do infinito, são a minha liberdade. Por isso não abdico de me sentar todos os dias, pela mesma hora, nesse banco rombo, todo debruçado sobre a moldura que me abre a porta do que não tem limites nem fim. É nos dias tranquilos e belos que imagino a eternidade, e para ser totalmente sincero, não desgosto do que vejo. Tudo o resto é irrelevante.
É mesmo a paz.
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