O tio Virgílio, que nunca soube da existência do poeta clássico romano e ainda assim conseguiu sobreviver e atingir o seu patamar de felicidade, era bombeiro na Companhia Reunida de Gás e Electricidade, nas bandas orientais da cidade, hoje um quarteirão moderno. Nunca apagou nenhum fogo, mas sempre que soava o alarme, conseguia vestir-se a tempo apesar da sua barriga, desproporcionada para a profissão de bombeiro, se bem nesses tempos, as exigências serem outras: um bom bigode, bem retorcido e colado nas pontas com brilhantina, e um ar sério e carrancudo, eram as condições de admissão.
Como não exercia a sua profissão, dedicava-se ao
comércio de import-export. Tinha boas relações com os das ambulâncias
postais dos comboios, e dinamizava o negócio entre Espanha e Portugal.
Caramelos, torrão de Alicante, bonecas sevilhanas, castanholas, mercadorias
afins.
O Tio Virgílio era nas festas natalícias, o responsável por amassar a
massa das filhoses, trabalho a que ele dava importância, como o de ser bombeiro.
Chegava com tempo a meio da tarde, e trabalhava com concentração, para não ser
alvo de chacota familiar.
De longe a melhor festa do ano. O Natal. Pequenos e grandes, fascinados
e crianças todos, pelo milagre do nascimento do Menino, longe de se saber que o
Pai Natal, viria um dia a disputar a proeminência do nascimento do eleito.
Era um acampamento, mais de vinte. As casas nunca foram grandes nem
espaçosas nem arejadas nem confortáveis, mas aos olhos das crianças pareciam
palácios e é a memória que fica. Nestes dias a família acampava e ajeitava-se
felicíssima, não querendo outra coisa que participar na festa e estar junta e
viver esses dias em intimidade e harmonia.
A pertença a uma comunidade.
Dadas as suas características fisionómicas cabia ao tio Virgílio fazer
de São José, o pai de Jesus, a entreposta pessoa. Era ele que com um roupão a
fazer de túnica de época, numa voz gutural e pausada, nos chamava um a um,
começando pelos mais pequenos e menos pacientes, para receber as suas prendas
recebidas pelo bom comportamento durante o ano transacto e por que o Menino era
amigo do tio Virgílio, e os dois tinham uma parceria comercial (o tal negócio
de import-export), para escoarem produtos dos nossos vizinhos, animando assim
as economias fracas dos dois países.
Quando o Pai Natal veio reivindicar o lugar do Menino, o tio Virgílio
deixou de participar na entrega dos presentes: achava ridículo vestir-se da
cabeça aos pés de vermelho e ainda por cima ter um barrete de campino
enterrado na cabeça.
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Bonita homenagem ao tio Virgílio e ao ser-se família e comunidade.
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