Não há baleias no céu, ou então há, desde que se queira. Vira-se tudo ao avesso, sendo as mesmas quantidades de azul, passa-se o mar para o que está em cima e o céu para o que está em baixo. Quem não consegue imaginar um cenário destes, e acreditar na sua veracidade, é tolo, e nunca conseguirá dizer e ser credível, um poema simples e belo, tenha ou não a métrica certa. Nem a métrica o salva.
Há, sim senhor, baleias que navegam nos céus e partilham o mesmo espaço de liberdade com todos os pássaros que venham por bem. Se não vierem, seja no céu ou em que meio for, o melhor é ficarem aquietados.
Enquanto
andamos nisto, passa neste preciso instante, não é mentira é a mais pura das
verdades, estou a vê-lo, uma baleia voadora. No céu, à frente destes que a
terra há de levar com pena minha, vejo-a a partir da janela do quarto onde
tenho uma mesa em frente dela e escrevo coisas. E passa com a maior das
bonomias, até parece que sorri, na comissura dos lábios enormes que tem.
Afino
a focagem dos meus olhos. Já deixam a desejar, viram muita coisa é natural que
estejam cansados. Não é uma baleia – ia jurar que era - é um charuto bojudo e
feminino que se parece a uma baleia. Nem sequer é um ser vivo, mas a sua figura
leva a interpretações erróneas. É um aeróstato. Nome estranho, que arranha ao
dizer. Podia ser uma baleia dos ares e assim merecia um nome melhor. Este
aeróstato que tem o nome de Zeppelin,
comporta-se mais ou menos como as baleias, dai o engano fácil. Na forma como se
movimenta. Lentamente, com todos os vagares, a fazer poses, uma modelo, e não
obedece a seguir uma direcção matemática, traçada em rigor, uma rota. Deixa-se
levar. Dadas as dimensões imensas que têm, a sua sensualidade própria, não se
pode negar, o dirigível – também se diz assim – é levado pelos ventos e desde
que as brisas sejam suaves e não alterosas, deixa-se ir feliz.
O
dirigível-baleia que passou pela janela, onde olho o mundo quando descanso a
mão de escrever, pequeno mundo meu, do tamanho da quadrícula de madeira da
moldura da janela. Não posso aferir para onde vai, de onde vem. A minha janela
não me dá acesso aos pontos cardeais.
Tem
escrito ao longo do corpo, parece escrito a aparo, em vermelho vivo e sangue, a
palavra “Liberdade”. Este balão e outros, todos com o mesmo nome, vão flutuar
por cima da cidade, para podermos dormir e acordar para um novo dia em paz e
com sonhos para realizar no futuro. Afinal não são baleias, nem charutos. São
um rebanho de pássaros flutuadores gigantes, que ficam a pairar sobre a cidade
protegendo-a dos cavaleiros negros do apocalipse e cruzes suásticas, que lançam
ataques e bombas e semeiam o medo atroz. À noite, na escuridão de tudo, quanto
os intrusos baixam de altitude para acertar nos alvos, embatem contra os nossos
guardiões, e estes, explodem em fogos de artifício, levando para os infernos
profundos os que nos querem fazer mal.
Se
é o mar que está ao contrário, se é o céu que desceu à terra para fazer-se de
mar, essa metafísica não tem interesse nenhum. Não são um e o outro o mesmo? Os
azuis não são iguais? As baleias não voam? Se quisermos voam, é só fechar os
olhos e fingir que não há guerra e poder brincar sem consequências com as
posições alteradas das coisas que gostamos ver.
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