Uma vida sem opções é uma
vida sem escolha. Não o quero. Não sei o que está para além do mar que vejo da
muralha da minha ilha. Pode ser o vazio. Ou não. Corro o risco. O confinamento
é sempre uma prisão, numa cela ou numa ilha. Não sou eremita. Deve ser muito
difícil sê-lo. Conseguir equilíbrios, despojamento, amor. Tenho que libertar-me
deste colete de forças, quero respirar, para viver, sentir-me vivo, devo
conhecer outras paisagens. Agrestes ou acolhedoras. É a curiosidade, o motor da
minha inquietação.
Decidi partir. Apesar das
circunstâncias, afeiçoamo-nos. É um amor suave, sem sobressaltos. Viver nestas
condições não é fácil. Viver nunca foi fácil. Todavia, a nostalgia embota-nos o
espírito quando resolvemos partir. Está em nós ser assim: agarrados ao
conhecido, mesmo que o conhecido seja uma rocha rugosa e cheia de arestas,
fustigada constantemente por ondas atrozes. Mal nos conseguimos agarrar,
manter, mas quando perdemos essa coisa estranha a que chamamos lar, abate-se a
tristeza primordial. Depois, começando a vogar ao sabor das correntes, habituamo-nos
de novo, e seguimos caminho, com norte ou sem norte. Vogando navegando como ao
destino aprouver.
Vou partir mas levo a
companhia de um aperto. Na cabeça, no coração, no estomago. Queria viajar sozinho,
mas não tenho escolha.
Esta ilha é acanhada,
ofegante, é o que chamo um lar. Um pedaço de terra que reivindico como meu. O sítio
que me frutificou. Tenho amor por este local. Aqui está uma aplicação honesta
desta palavra que havia esquecida em mim.
Parto amanhã, bem cedo,
quando todos estiverem a dormir. Dispenso despedidas, são constrangedoras para
todos. É preferível assim. Parto, deixo talvez algumas memórias minhas, nos que
mais me querem. Os outros vão esquecer-me de imediato. Todos temos que seguir
em frente. De meu, levo um livro. Um só.
Não há nada para planear. Partir,
nada mais. São poucos os mantimentos, dão para pouco mais que o tempo
suficiente para deixar de ver as ilhas no horizonte. A partir daí é só mar. Vencer
as ondas ou ser tragado por elas. Até que acabe, até que não acabe.
Não procuro nada. Este não
é um acto heróico, não é uma cobardia. É ir simplesmente, porque já esgotei o
tempo de vida neste ambiente claustrofóbico. No final, que pode ser já, se o
meu frágil barco se afundar, é porque tinha que acontecer isto. Não sei se sou
determinsta, acho que não, mas também não importa, é um assunto sem
importância, ao qual nunca chegarei a uma conclusão válida. Há verdades, e
mentiras, que nunca se descobrem.
Afinal já parti, já me
afastei o suficiente para tudo o que vejo agora ser uma novidade, se bem não
veja nada mais senão o céu e o mar.
Começo a minha epopeia.
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