NÃO RESISTO
É
mais forte, é um impulso, não me contenta a observação, tenho necessidade de
saber mais, compreender. Só conhecendo-a, mas isso é precisamente o mais
difícil. Dada a minha natureza tímida, muito tímida diria, abordar um desconhecido,
partindo de mim essa acção, é praticamente uma impossibilidade pessoal.
Primeiro
perco um tempo imenso a pensar em estratégias de abordagem, em alinhar um
discurso que seja coerente, que faça sentido. Colocam-se tantas dúvidas que
dificilmente chego a conclusões finais sobre o guião desse discurso.
Seguidamente, e porque começo a ficar mais irrequieto, decido se, nessas
condições, devo ou não avançar. Vejo e revejo cenários. Mais nervoso ainda.
Vacilo muito.
Quando
avanço, nem sempre atinjo o objectivo proposto, já que ou tropeço quando estou
na eminência de me aproximar do desconhecido, e volto atabalhoadamente para o
ponto de partida, desistindo; ou balbucio umas palavras e gaguejo, ficando na
posição sem ponto de fuga do corpo ficar hirto e em silêncio, até que essa
rigidez desaparece, e, meia volta, de novo ao ponto de partida; também acontece
conseguir começar, não estar a correr mal e do nada, sem que fosse esperado, o
meu discurso siga caminhos que não estavam no guião prévio, como se tivesse
vontade própria, e num momento determinado por essa vontade, seguisse os
caminhos discursivos de sua auto-recriação, deixando-me estupefacto com a
direcção que o monólogo leva, não me reconhecendo em nada nessas palavras, e o
outro, aquele que eu quero conhecer, não me conhecendo ainda sequer, fazer uma
ideia de mim, pelas palavras que eu disse mas não são minhas, contrária ideia
ao que sou na realidade. Uma grande confusão.
Por
ser assim a minha natureza, é que restrinjo os meus contactos com desconhecidos.
E
só vos contei o meu lado porque vendo agora o outro lado, o do outro, as
reacções são ou de indiferença, ou espanto, ou aborrecimento, ou mesmo, em
casos menos frequentes, mas ainda assim que acontecem, de alguma aversão a
raiar a possibilidade de algum tipo de violência verbal. Também já não é a
primeira vez que sou esbofeteado. Felizmente nada de mais grave.
Tudo
isto, leva-me cada vez mais a ser cauteloso e prudente. Apesar de me fascinar
com facilidade por desconhecidos, já não sou ingénuo ao ponto de os querer
conhecer todos. Escolho bem, até porque cada vez lido pior com a frustração.
Pensei que com a ideia demasiado real de uma vida em quotidiano morno,
ganhávamos paciência, compreensão, mas nem sempre é assim.
Enfim,
as relações comigo não são fáceis.
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