Alegrou a cara porque é sexta-feira. Serenou as sobrancelhas,
grandes pantomineiras. Distendeu-se. Vai ao cinema, à sessão das sete horas.
Gosta de filmes de época.
Apesar dos comentários constantes dos chegados, preocupados com
a sua ingenuidade, é uma romântica ingénua e quer continuar a ser.
Escolhe o assento mais ao meio numa das filas da frente. Gosta
de se sentir absorvida pelo ecrã, ela diminuta na imensidão da cena projectada.
É uma inversão do real, sendo este o filme e ela um acessório
sem história. Este hábito, o da transferência, é muito importante para
readquirir a sua liberdade, ao fim de
uma semana de trabalhos forçados.
Nunca acreditou que se pode trabalhar por gosto e nunca foi
adepta das teorias que dizem que se pode perfeitamente comprar o shampô, fazendo
o que se gosta. São poucos e alguns mentem descaradamente.
Limpa-se numa sessão de cinema, para o fim de semana. É a sua
catarse. Depois disso tem pela frente uma noção de eternidade, pelo menos até
domingo, depois de amanhã.
Amanhã ao fim do dia a noção já é ligeiramente
diferente.
Até lá, segunda-feira, vai fazer tudo o que a falta de liberdade
a impediu na semana passada de fazer: desamarrar-se do tempo.
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