Não há
reparos a fazer ao dia. A haver, era dizer bem. O Sol, brilhava rei e senhor,
resplendia aproveitando a gentileza de o céu se ter disposto todo em azul
clarificado, sem o incómodo de uma única nuvem intromissa, para incomodar o
exagero de luz projectada sobre a terra. Era um dia repleto.
Estavam
reunidas as condições e a oportunidade de
uma orquestra sinfónica de harmonia e paz, banhar a terra. Podia ter sido um
daqueles dias, em que sem nenhuns e propositados acordos de regime, a terra suaviza
o seu buliço, o bom e o mau, e as pessoas feitas tréguas, aproveitam as
esplendidas condições atmosféricas, e estendem-se muitas nos relvados, espreguiçadeiras
de esplanada, absorvem a abundância gratuita do sol.
Todos se
despreocupam das questões, grandes e pequenas, ficam meio amorrinhados, gozando
a qualidade calorosa dos raios de sol.
Foi nesse
dia, o julgamento. Tão adiado, esta ou aquela razão, recursos, não
comparências.
Esgotaram-se
nas partes litigantes as desculpas, os rostos até agora escondidos teriam de se
enfrentar, e resolverem-se.
Findou o
prazo . Nesse dia profundamente azul e pacificamente claro, Ele apresentou-se
vestido de imaculado branco, pose de imperador, alguém ficou com a sensação que
Ele se apresentava cansado, descaído de ombros, ouve-se de tudo nestas
ocasiões.
De branco
Ele, os juízes pretos, togas a lembrar negritudes, as falhas de luz que a
justiça tem. O confronto do Bem, do Mal, qual é o quê, o derradeiro tira as teimas.
A imaginação é fértil, as pessoas congeminam, gostam
da perversidade, do picante. Na coincidência, das roupas que vestiram naquele
dia, se agrinaldam as histórias que vão contar ao chegar a casa, carregadas de
pormenor, acrescentados ao passarem de boca para outra boca, a dos basbaques
que não tendo mais nada para fazer, gostam de assistir na primeira fila a este
tipo de espectáculos e a balbuciarem comentários.
É o grande
julgamento e as pessoas que deviam estar atentas, juízas de cabeça própria,
porque muitas coisas importantes vão ser reveladas, não, dedicam-se a regar rumores, histórias mirabolantes, incongruências.
A quantidade de gente estúpida que existe é um número assustador.
A audiência,
furibunda, do lado de fora, os que não arranjaram lugar, eram uma multidão, a
crescer como fermento. Desfilavam para trás e para a frente, alguns, com
cartazes toscamente feitos, na mão. Frases que gritavam como slogans, em grupo,
ouvindo-se mais, muito mais, do que gritar um por um só. Vozes a juntarem-se a
vozes, aumentando o alcance do som.
Não se pense
que todas essas vozes eram dissonantes. Muitas, mesmo muitas, eram um coro
afinado, com laudas ao Senhor. Em terra de homens como se pode viver sem deus?
Eram duas
facções, separadas pelo cordão policial, eles mesmo duas facções. Perceptível à
atenção e à vista, não se via nenhum anjo, podia ser que por ali estivessem,
disfarçados. Simplesmente homens comuns, os que estavam , mirones ou emplastros
no julgamento dos julgamentos.
Era bom que
houvesse uma representação dos anjos, é que existiam, vinham fazer a sua solidariedade
com o Senhor, parente próximo. Nenhum se
reconheceu, não se deu a trabalhos.
Com o
tribunal na sua capacidade máxima de mirones, a audiência começa na hora
marcada. Era que é um grande sururu, empurrões, encostos, cotovelos como arma ,
para se ajeitar um lugar para o rabo. Suores misturados, fazendo pairar no ar
escasso, odores ácidos, desconfortáveis, indisfarçáveis pelos perfumes que
ainda assim faziam o que podiam para tornar o ambiente menos irrespirável.
Entram os
juízes, um colectivo, todas as cores da pele, a mostrarem que há união de todos
os homens nas questões fundamentais, e eram essas que iriam ali ser debatidas.
Chama-se ao
silêncio com pancadas na mesa, como no teatro, a dar o mote para o início da
representação.
O Juiz
presidente, entrado nos sessenta, numa idade sábia, introduz :
- Estamos
hoje a aqui para esclarecer todas as perguntas que nos apoquentam e temos
diante nós o Criador para nos vai dar as respostas. Tentaremos abusar se for
necessário da equidade, justos na
justiça dos homens, apoiados na nossa moral e na ética que construímos na
imitação do Seu exemplo, que foi o Exemplo até se instalar a dúvida nas nossas
cabeças, no dia em que perguntámos porquê.
- Peço-vos
que O recebam com a educação que temos, a nossa melhor cortesia, fruto do
polimento que criámos e aveludamos para viver em sociedade num mundo de caos,
sempre a pender para a lei da não regra, a entropia.
-Ele é hoje
o nosso convidado, convidado a responder definitivamente perante a Assembleia
dos Homens. Pedimos que não guarde para si o que tem para ser dito, que todos
queremos ouvir a sua verdade final e a sua assunção de culpa, para que lhe
perdoemos porque pecou.
- Não
guardaremos em nós o que lhe temos a dizer ….
* DESCUIDADOS DE DEUS é um trabalho plástico em realização, do Pintor Paulo Robalo,que será brevemente apresentado no Galeria Passevite em Lisboa. Acompanham textos de Luis Robalo
Comentários
Enviar um comentário