Homem com umas consideráveis dezenas de anos. Uma cruz de madeira, pequena, com suficiência de ser visível relativamente longe, pende-lhe do peito.
No mesmo local, o homem portador da cruz ao peito, cirandando neste jardim público onde num dia recentemente passado , uma mulher jovem com aspecto disso, na hora do seu almoço e de outros que ali estavam pelo mesmo motivo, foi apanhada supostamente a ler um livro - tinha-o aberto pousado castamente sobre o regaço e ela parecia embrenhada nele. Cena pouco comum que ficou notificada em instantâneo próprio de um mirone possivelmente inquinado nas apreciações que faz sobre os transeuntes - descomplicados eles, ele não -, com que se cruza.
Não há relação estabelecida entre os dois, só o local é o mesmo, e aparentemente acontecem fenómenos fora do comum neste nó da cidade, na realidade uma quase praceta com relvado e parque infantil, ambos em plano inclinado, a inclinar para quem desce no sentido da igreja da nossa Senhora de Fátima. O que é simpático porque chega-se mais cedo e escolhem-se melhores lugares para a missa. Para quem prefere a praceta, torna-se relativamente incómodo. As crianças utentes do parque e os que se sentam na esplanada , ficam com os cristais desequilibrados.
O munícipe não identificado que originou este relambório exercita-se em movimentos de remo numa dessas máquinas de ginástica municipal,urbana, gratuita, e olha insistentemente para o céu. Cinquenta repetições, sempre de olhos postos nas alturas e um ar tão religiosamente sério, que se fica confundido: está a exercitar o corpo, ou aquilo é uma lengalenga para fortalecer a concentração numa prece às alturas?
Não é casual, não pode ser, ninguém no seu juízo olha assim para o céu quando faz ginástica com o sentido de aumentar a tonicidade dos músculos.
O indivíduo em apreciação dá ares de um indivíduo místico ,velho, em exercícios de tonificação corporal, mas nunca se viu nenhum que o faça descaradamente a desafiar o céu. Como a dizer, aqui estou, neste momento de fé, martirizando o corpo para chegar melhor a Ti.
Ele intervala os exercícios com momentos de repouso em que se senta num bordo que ali existe,ao lado das máquinas , mas continua concentrado, olhando desta vez intensamente para a calçada irregular do chão.
É o fim do dia, as pessoas estão cansadas dos seus fazeres e responsabilidades, umas querem chegar rapidamente a casa, outras refrescam-se na esplanada, é possível que esta não-história seja um delírio do mirone que também está exausto e só está ali, porque escrever este não-acontecimento fazia parte do seu o plano do dia, embora não tenha sido avisado, nunca é.
Vai agora para a máquina das flexões das pernas, e não restam dúvidas: o mirone não está maluco. O velho enquanto se flecte, abre os braços com as palmas das mãos viradas ao alto e, desta vez de olhos fechados, balbucia palavras que não se ouvem mas que se imaginam sair da boca pela vibração nervosa dos seus lábios. É sem dúvida uma oração, o homem está em sintonia com os Senhores do universo.
Mente sã em corpo são.
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