Os meus pais
queriam que eu fosse jurista, mas escapei-me. Fugi para casa de uns primos
afastados que tinham um negócio de venda de bifanas itinerante, numa rulote, na
Alsácia. Tornei-me vendedor ambulante. Encontrei o meu caminho e sou feliz,
mesmo pagando impostos elevados.
Recebem-me
quando venho no verão matar saudades (já me custa falar), mais da terra do que
das pessoas, mas não são espontâneos, sei que no fundo nunca me perdoaram. Não
foi por não ter sido doutor, foi por não ter sido jurisconsulto, a carreira
mais habilitada ao sucesso de todas as que existem, segundo a sua opinião e de conhecidos
seus que frequentam a pastelaria “Boca Doce”, na venda de fruta da Dona
Joaquina e na farmácia “Central” que
nunca conheci o dono, só o empregado que se chama Carlos e é da minha geração.
São capazes
de ter razão, descobrem-se jurisperitos , e bem sucedidos, em todas as
profissões: ministros quase todos, parece que foram feitos para ministros; políticos
e deputados, a maioria, tem um jeito enorme; banqueiros, pelo menos
conselheiros deles, inteligentíssimos; presidentes de câmara, menos porque é
uma profissão mais popular, ainda assim também os há, a realizarem grandes
trabalhos; provedores de misericórdias, se forem católicos, é garantido, e uma
misericórdia gere-se bem, tem pouca burocracia financeira; espiões serviços de informação, foram talhados para
isso. Não há ninguém que guarde melhor um segredo e empalme um bom segredo ao
inimigo como eles, até devem ter uma cadeira disso na faculdade; presidentes
dos serviços municipalizados de água, luz e gás, é um enxame, têm sempre
trabalho; chefes de bombeiros, sócios de estilistas de sucesso, donos de
restaurantes da moda, cantores, presos, e tantas outras que ficávamos aqui o
dia todo a gastar palavras e papel.
Não conheço
nenhum que venda bifanas.
É um curso
muito completo o legisperito, dá para praticamente tudo, mas eu gosto mais de
vender bifanas e inventei um molho único e bastante saboroso que me diferenciou
da concorrência neste negócio igualmente competitivo das bifanas no pão. Já fui uma vez abordado por um advogado que me
aconselhou a registar a marca e patentear a receita. Foi tão amável que para
facilitar as burocracias, até se prestou a ser meu sócio. Não aceitei, e ele
pediu-me honorários pela ideia. Paguei e não foi pouco, não insistiu mais.
Tenho um
amargo na alma que os meus pais não compreendam a minha profissão, talvez um
dia. Eu nunca duvidei que ser legista fosse bom, mas também há outras vocações
com a sua nobreza. Para mim são as bifanas com o meu molho especial.
Na região
onde vivo há trinta anos sou reconhecido e nunca vi ninguém a ter preconceitos
com as bifanas. Pelo contrário, muitas vezes repetem e comem duas.
Aqui os advogados
também são muito respeitados, mas é uma profissão como qualquer outra, têm
menos saída.
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